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O estatuto disciplinar dos membros do Ministério Público

Autor: Vitor Fernandes Gonçalves - Procurador de Justiça e membro do Conselho Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). Foi Corregedor-Geral do MPDFT e Primeiro-Secretário do Conselho Nacional de Corregedores-Gerais do Ministério Público (2007-2008)
Sumário: 1 Considerações introdutórias. 2 Autonomia do estatuto disciplinar dos membros do MP. 3 Das faltas disciplinares. 4 A persecução disciplinar e suas fases. 5 Conclusão.

1 Considerações introdutórias

 

Reconhecido pelo legislador constituinte pátrio como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, com a missão de defender a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis, conforme dispõe o artigo 129, caput, da Constituição Federal, o Ministério Público, por meio dos seus membros, afirma-se como instituição nacional em que a sociedade confia e à qual recorre para a defesa de seus direitos.

No exercício de suas atribuições, os membros do MP processam altas autoridades de todos os poderes estatais, imputando-lhes, não raras vezes, a prática de crimes e/ou de atos ilícitos como os que resultam em improbidade administrativa. Nesse contexto, sobreleva em importância que os membros do MP conduzam-se em sua vida funcional, pública e privada de forma escorreita e exemplar.

Por outro lado, os membros do MP são, antes de tudo, simples seres humanos, com toda a falibilidade decorrente dessa condição. Daí a óbvia necessidade que o Estado tem de sujeitar os atos deles a mecanismos de controle, interno e externo, não se descurando assim da estruturação de um estatuto disciplinar para lembrá-los, a uma, de que, em sentido lato, são agentes públicos – e como tal devem sempre servir ao público – e, a duas, de que, como defensores da ordem jurídica, devem antes de tudo observá-la exemplarmente.

 

2 Autonomia do estatuto disciplinar dos membros do MP

 

É inquestionável a sujeição dos membros do MP a um estatuto disciplinar. A propósito do tema, releva lembrar que direito disciplinar, na lição de José Armando da Costa, é “o conjunto de princípios e normas que objetivam, através de vários institutos próprios, condicionar e manter a normalidade do serviço público”1. Como desmembramento visível do direito administrativo, o direito disciplinar sistematiza o poder disciplinar do Estado, a cujo respeito asseverou Hely Lopes Meirelles tratar-se de

uma supremacia especial que o Estado exerce sobre todos aqueles que se vinculam à Administração por relação de qualquer natureza, subordinando-se às normas de funcionamento do serviço ou estabelecimento a que passam a integrar definitiva ou transitoriamente. É a faculdade de punir internamente as infrações funcionais dos servidores e demais pessoas sujeitas à disciplina dos órgãos e serviços da Administração2.

Em verdade, para o membro do MP a sujeição ao poder disciplinar da Administração Pública constitui corolário de sua condição de agente público em sentido lato. Entretanto, o Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União (Lei n. 8.112/1990) não lhe é aplicável no âmbito disciplinar, porquanto, em razão de sua condição de agente político e membro de carreira de Estado, ele está sujeito constitucional (CF, art. 130-A, §2º, II e III) e legalmente (LC n. 75/1993 e Lei n. 8.625/1993) a um sistema de controle próprio, bem mais complexo, em face do qual seus atos ficam submetidos permanentemente a controle interno (Corregedoria-Geral) e externo (Conselho Nacional do MP), podendo ainda responder por crime de responsabilidade (CF, art. 105, I, a, e Lei n. 1.079/1950, art. 40, n. 1 a 4).

Pode-se falar, assim, na existência de um estatuto disciplinar autônomo do membro do MP em relação às regras vigentes para o funcionalismo público civil em geral. Tal autonomia se opera no plano legal por meio das disposições disciplinares contidas na Lei Orgânica Nacional do MP (Lei n. 8.625/1993) e na Lei Orgânica do Ministério Público da União (Lei Complementar n. 75/1993), diplomas legais que constituem, por excelência, as leis fundamentais do estatuto disciplinar dos membros do MP.

Na realidade, por serem tais leis orgânicas posteriores à Lei n. 8.112/1990, bem como por seu caráter de leis especiais, que prevalecem sobre as disposições gerais, e, ainda, por disporem de forma integral sobre a pertinente matéria disciplinar, afastam completamente qualquer cogitação de emprego, nesse particular, do já mencionado Estatuto dos Funcionários Públicos Civis. Nem mesmo a título supletivo ou subsidiário é passível tal aplicação, pois a Lei Complementar n. 75/1993 dispõe expressamente em seu artigo 261 que “[se aplicam], subsidiariamente, ao processo disciplinar, as normas do Código de Processo Penal”, disposição que é extensiva aos Ministérios Públicos dos Estados, na forma do artigo 80 da Lei n. 8.625/1993.

Sem embargo do exposto, releva notar que, apesar de autônomo, o estatuto disciplinar dos membros do MP sujeita-se à mesma teoria geral que o estatuto disciplinar do funcionalismo em geral no que concerne à aplicação dos princípios gerais do direito disciplinar, como é o caso do princípio da autonomia da esfera disciplinar em relação à esfera penal ou civil, do princípio da flexibilidade discricionária, que mitiga até determinado ponto o devido processo legal formal, permitindo ao administrador uma certa liberdade na solução de questões disciplinares, nos limites de sua competência e tendo em mente o melhor para o interesse público, do princípio da tipicidade aberta, que permite tipos de conteúdo subjetivo, do princípio do devido processo legal substancial, do qual são corolários os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, e vários outros, inclusive muitos princípios constitucionais do processo penal, como os da proibição de dupla responsabilização pelo mesmo fato (ne bis in idem), o da publicidade do julgamento, o da presunção de inocência etc.

 

3 Das faltas disciplinares

 

Comparando-se os tipos das infrações disciplinares dos funcionários públicos civis com os dos membros do MP, observa-se que, conquanto o leque de vedações vigente para o funcionalismo em geral seja bem mais extenso, aquele dos membros do MP é mais específico, contendo várias hipóteses sem correspondência no estatuto geral, sendo importante destacar, ainda, o intuito do legislador pátrio de assegurar aos membros do MP a independência necessária para o exercício de suas atribuições, desejo já patenteado pela previsão de prerrogativas constitucionais, como a da vitaliciedade, que obsta a demissão do membro do MP senão por sentença transitada em julgado. Por outro lado, mesmo entre as leis orgânicas do Ministério Público não há uma coincidência quanto aos tipos, prevendo a lei orgânica nacional maior número de hipóteses que a lei orgânica do MPU.

Consulte-se, nesse sentido, o quadro demonstrativo abaixo:

Lei n. 8.112/1990
(Funcionalismo civil)

LC n. 75/1993
(MP da União)

Lei n. 8.625/1993
(MP dos Estados)

Art. 116. São deveres do servidor:

I - exercer com zelo e dedicação as atribuições do cargo;

II - ser leal às instituições a que servir;

III - observar as normas legais e regulamentares;

IV - cumprir as ordens superiores, exceto quando manifestamente ilegais;

V - atender com presteza:

a) ao público em geral, prestando as informações requeridas, ressalvadas as protegidas por sigilo;

b) à expedição de certidões requeridas para defesa de direito ou esclarecimento de situações de interesse pessoal;

c) às requisições para a defesa da Fazenda Pública.

VI - levar ao conhecimento da autoridade superior as irregularidades de que tiver ciência em razão do cargo;

VII - zelar pela economia do material e a conservação do patrimônio público;

VIII - guardar sigilo sobre assunto da repartição;

IX - manter conduta compatível com a moralidade administrativa;

X - ser assíduo e pontual ao serviço;

XI - tratar com urbanidade as pessoas;

XII - representar contra ilegalidade, omissão ou abuso de poder.

 

Art. 117. Ao servidor é proibido:

I - ausentar-se do serviço durante o expediente, sem prévia autorização do chefe imediato;

II - retirar, sem prévia anuência da autoridade competente, qualquer documento ou objeto da repartição;

III - recusar fé a documentos públicos;

IV - opor resistência injustificada ao andamento de documento e processo ou execução de serviço;

V - promover manifestação de apreço ou desapreço no recinto da repartição;

VI - cometer a pessoa estranha à repartição, fora dos casos previstos em lei, o desempenho de atribuição que seja de sua responsabilidade ou de seu subordinado;

VII - coagir ou aliciar subordinados no sentido de filiarem-se a associação profissional ou sindical, ou a partido político;

VIII - manter sob sua chefia imediata, em cargo ou função de confiança, cônjuge, companheiro ou parente até o segundo grau civil;

IX - valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública;

X - participar de gerência ou administração de sociedade privada, personificada ou não personificada, exercer o comércio, exceto na qualidade de acionista, cotista ou comanditário;

XI - atuar, como procurador ou intermediário, junto a repartições públicas, salvo quando se tratar de benefícios previdenciários ou assistenciais de parentes até o segundo grau, e de cônjuge ou companheiro;

XII - receber propina, comissão, presente ou vantagem de qualquer espécie, em razão de suas atribuições;

XIII - aceitar comissão, emprego ou pensão de estado estrangeiro;

XIV - praticar usura sob qualquer de suas formas;

XV - proceder de forma desidiosa;

XVI - utilizar pessoal ou recursos materiais da repartição em serviços ou atividades particulares;

XVII - cometer a outro servidor atribuições estranhas ao cargo que ocupa, exceto em situações de emergência e transitórias;

XVIII - exercer quaisquer atividades que sejam incompatíveis com o exercício do cargo ou função e com o horário de trabalho;

XIX - recusar-se a atualizar seus dados cadastrais quando solicitado.

Art. 236. O membro do Ministério Público da União, em respeito à dignidade de suas funções e à da Justiça, deve observar as normas que regem o seu exercício e especialmente:

I - cumprir os prazos processuais;

II - guardar segredo sobre assunto de caráter sigiloso que conheça em razão do cargo ou função;

III - velar por suas prerrogativas institucionais e processuais;

IV - prestar informações aos órgãos da administração superior do Ministério Público, quando requisitadas;

V - atender ao expediente forense e participar dos atos judiciais, quando for obrigatória a sua presença; ou assistir a outros, quando conveniente ao interesse do serviço;

VI - declarar-se suspeito ou impedido, nos termos da lei;

VII - adotar as providências cabíveis em face das irregularidades de que tiver conhecimento ou que ocorrerem nos serviços a seu cargo;

VIII - tratar com urbanidade as pessoas com as quais se relacione em razão do serviço;

IX - desempenhar com zelo e probidade as suas funções;

X - guardar decoro pessoal.

 

Art. 237. É vedado ao membro do Ministério Público da União:

I - receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto; honorários, percentagens ou custas processuais;

II - exercer a advocacia;

III - exercer o comércio ou participar de sociedade comercial, exceto como cotista ou acionista;

IV - exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública, salvo uma de magistério;

V - exercer atividade político-partidária, ressalvada a filiação e o direito de afastar-se para exercer cargo eletivo ou a ele concorrer.

Art. 43. São deveres dos membros do Ministério Público, além de outros previstos em lei:

I - manter ilibada conduta pública e particular;

II - zelar pelo prestígio da Justiça, por suas prerrogativas e pela dignidade de suas funções;

III - indicar os fundamentos jurídicos de seus pronunciamentos processuais, elaborando relatório em sua manifestação final ou recursal;

IV - obedecer aos prazos processuais;

V - assistir aos atos judiciais, quando obrigatória ou conveniente a sua presença;

VI - desempenhar, com zelo e presteza, as suas funções;

VII - declarar-se suspeito ou impedido, nos termos da lei;

VIII - adotar, nos limites de suas atribuições, as providências cabíveis em face da irregularidade de que tenha conhecimento ou que ocorra nos serviços a seu cargo;

IX - tratar com urbanidade as partes, testemunhas, funcionários e auxiliares da Justiça;

X - residir, se titular, na respectiva Comarca;

XI - prestar informações solicitadas pelos órgãos da instituição;

XII - identificar-se em suas manifestações funcionais;

XIII - atender aos interessados, a qualquer momento, nos casos urgentes;

XIV - acatar, no plano administrativo, as decisões dos órgãos da Administração Superior do Ministério Público.

 

Art. 44. Aos membros do Ministério Público se aplicam as seguintes vedações:

I - receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto, honorários, percentagens ou custas processuais;

II - exercer advocacia;

III - exercer o comércio ou participar de sociedade comercial, exceto como cotista ou acionista;

IV - exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública, salvo uma de Magistério;

V - exercer atividade político-partidária, ressalvada a filiação e as exceções previstas em lei.

Parágrafo único. Não constituem acumulação, para os efeitos do inciso IV deste artigo, as atividades exercidas em organismos estatais afetos à área de atuação do Ministério Público, em Centro de Estudo e Aperfeiçoamento de Ministério Público, em entidades de representação de classe e o exercício de cargos de confiança na sua administração e nos órgãos auxiliares.



Com a finalidade de sistematizar os tipos disciplinares supra transcritos, em especial aqueles vigentes para os membros do MP, pode-se principiar com o gênero falta disciplinar, a partir do qual podem ser identificadas faltas disciplinares funcionais ou não funcionais, consoante tenham ou não relação com o concreto exercício pelo membro em causa de suas atribuições legais. As faltas disciplinares não funcionais materializam-se sempre com condutas que o membro pratica fora do exercício de suas funções; são condutas exteriores à sua atuação como membro do MP. Por seu turno, as faltas disciplinares funcionais podem ser categorizadas como faltas processuais, que o membro pratica em um dado processo, ou como faltas institucionais, em que o prejuízo causado pelo membro projeta-se em nível institucional, para além de um único processo.

Para uma plena visualização dessa classificação dos tipos, consulte-se o esquema abaixo:

Faltas disciplinares

Funcionais

Processuais

  1. descumprir os prazos processuais / desobedecer aos prazos processuais (LC n. 75/Lei n. 8.625);

  2. deixar de declarar-se suspeito ou impedido, nos termos da lei (LC n. 75 e Lei n. 8.625);

  3. deixar de indicar os fundamentos jurídicos de seus pronunciamentos processuais, elaborando relatório em sua manifestação final ou recursal (Constituição Federal e Lei n. 8.625);

  4. deixar de identificar-se em suas manifestações funcionais (Lei n. 8.625).

 

Institucionais


  1. deixar de guardar segredo sobre assunto de caráter sigiloso que conheça em razão do cargo ou função (LC n. 75);

  2. deixar de velar por suas prerrogativas institucionais e processuais / deixar de zelar pelo prestígio da Justiça, por suas prerrogativas e pela dignidade de suas funções (LC n. 75/Lei n. 8.625);

  3. deixar de prestar informações aos órgãos da administração superior do Ministério Público, quando requisitadas / deixar de prestar informações solicitadas pelos órgãos da instituição (LC n. 75/Lei n. 8.625);

  4. deixar de adotar as providências cabíveis em face das irregularidades de que tiver conhecimento ou que ocorrerem nos serviços a seu cargo / adotar, nos limites de suas atribuições, as providências cabíveis em face da irregularidade de que tenha conhecimento ou que ocorra nos serviços a seu cargo (LC n. 75/Lei n. 8.625);

  5. deixar de atender ao expediente forense e participar dos atos judiciais, quando for obrigatória a sua presença; ou de assistir a outros, quando conveniente ao interesse do serviço / deixar de assistir aos atos judiciais, quando obrigatória ou conveniente a sua presença (LC n. 75/Lei n. 8.625);

  6. deixar de tratar com urbanidade as pessoas com as quais se relacione em razão do serviço / deixar de tratar com urbanidade as partes, testemunhas, funcionários e auxiliares da Justiça (LC n. 75/Lei n. 8.625);

  7. deixar de desempenhar com zelo e probidade as suas funções / deixar de desempenhar, com zelo e presteza, as suas funções (LC n. 75/Lei n. 8.625);

  8. deixar de residir, se titular, na respectiva Comarca (Lei n. 8.625);

  9. deixar de atender aos interessados, a qualquer momento, nos casos urgentes (Lei n. 8.625);

  10. deixar de acatar, no plano administrativo, as decisões dos órgãos da administração superior do Ministério Público (Lei n. 8. 625);

  11. abandono de cargo (LC n. 75/93, art. 240, §3º).

    Não funcionais

 

Não funcionais


  1. exercer a advocacia (LC n. 75 e Lei n. 8.625);

  2. exercer o comércio ou participar de sociedade comercial, exceto como cotista ou acionista (LC n. 75 e Lei n. 8.625);

  3. exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública, salvo uma de magistério (LC n. 75 e Lei n. 8.625);

  4. exercer atividade político-partidária (LC n. 75 e Lei n. 8.625);

  5. deixar de guardar decoro pessoal / deixar de manter ilibada conduta pública e particular (LC n. 75/Lei n. 8.625).

 

À guisa de tecer comentários acerca dos tipos disciplinares a que estão sujeitos os membros do MP, isto é, dos modelos de comportamento a eles proibidos e previamente submetidos a exigências de publicidade normativa, impõe-se inicialmente destacar a aplicação, em sede disciplinar, do princípio da tipicidade. Sobre o assunto, Fábio Medina Osório adverte que

a garantia de que as infrações estejam previamente tipificadas em normas sancionadoras integra, por certo, o devido processo legal da atividade sancionatória do Estado (art. 5º, LIV, CF/88), como tem sido nos países civilizados, visto que sem a tipificação do comportamento proibido, resulta violada a segurança jurídica da pessoa humana, ou jurídica, que se expõe ao risco de proibições arbitrárias e dissonantes dos comandos legais. Sem a garantia da tipicidade, as pessoas atingidas ou potencialmente afetadas pela atuação sancionatória estatal ficam expostas às desigualdades, a níveis intoleráveis de riscos de arbitrariedade e caprichos dos Poderes Públicos3.

Resulta que, a existência de prévios tipos legais limita as administrações superiores dos MPs da União e dos Estados em seu poder de persecução disciplinar diante de seus respectivos membros, não podendo estas puni-los por condutas atípicas na esfera disciplinar. Sob a ótica individual dos membros, resta-lhes assegurado o direito à previsibilidade, vale dizer, de escolha de comportar-se em conformidade com a norma disciplinar ou não, assumindo o ônus de sofrer as sanções cabíveis, no último caso. É imperioso observar, todavia, que o direito disciplinar comporta um regime de tipicidade permissiva no qual, em nome do interesse público e de assegurar flexibilidade à Administração na escolha das condutas puníveis, resta admissível a utilização de tipos abertos, assim denominados porque de conteúdo impreciso ou indeterminado, constituindo verdadeiras cláusulas gerais, hipóteses cujas características primordiais são formadas por via jurisprudencial e não legal.

Esse é, precisamente, o caso da chamada quebra de decoro, previsão extremamente vaga e permeada por preceitos morais. A ideia do que seja “decoro pessoal” pode variar enormemente de pessoa para pessoa. De igual modo, manter “ilibada conduta pública e particular” é um conceito subjetivo, que pode mudar e muda conforme os valores culturais do intérprete. Aqui, releva considerar-se quebra de decoro aquela conduta pessoal comprometedora da dignidade das funções, a conduta que traz reflexos negativos aos valores defendidos pela instituição, destoando, dentro de um contexto de racionalidade e proporcionalidade, do conceito médio social que se tem de um membro do MP e do cargo por ele ocupado. Deve existir, portanto, uma correlação necessária entre a conduta praticada e o interesse público na proteção da dignidade institucional, apurado este à luz da razoabilidade.

Em verdade, na prática, a quebra de decoro assume a função de cláusula geral, outorgando às administrações superiores dos MPs da União e dos Estados um generoso espaço de movimentação, dentro do qual é incluída uma quantidade imensa de condutas pessoais externas dos membros, muitas delas constituindo tipos criminais comuns. Assim, por exemplo, se um membro do MP for acusado de, em sua vida particular, ter praticado estelionato ou receptação, poderá responder na esfera disciplinar justamente por quebra de decoro, à mingua de qualquer outra hipótese que reflita, na vida institucional, a nocividade do comportamento praticado na vida particular. Esse caráter praticamente subsidiário explica a grande importância que assume a previsão da quebra do decoro para a reprimenda disciplinar dos membros das carreiras de Estado, dos agentes políticos em geral, o que não constitui exceção em relação aos membros do MP.

Por outro lado, pode-se falar na existência de quebra de decoro simples ou qualificada, sendo esta última a conduta pública de incontinência escandalosa que constitua, por sua habitualidade, grave comprometimento da dignidade da instituição, que redunda na aplicação da pena máxima de demissão (cf. art. 240, V, d, da Lei Complementar n. 75/1993, aplicável subsidiariamente aos Estados, por força do art. 80 da Lei n. 8.625/1993), ao contrário da quebra de decoro simples, que rende ensejo a mera censura, enquanto descumprimento de dever legal. É, por exemplo, o caso de membro que se embriague em público e compareça ao serviço embriagado, de forma contumaz, procedendo de maneira escandalosa.

Afora a quebra de decoro, no universo das faltas disciplinares não funcionais dos membros do MP, restam somente as chamadas vedações legais, quais sejam: a vedação de exercício da advocacia, a de participação em sociedade comercial, a de exercer qualquer outra função, salvo uma de magistério, e a de exercer atividade político-partidária. Tais vedações não são recentes para os membros do Ministério Público e foram quase todas regulamentadas recentemente pelo Conselho Nacional do Ministério Público. A proibição de exercer a advocacia, por exemplo, que já se encontrava prevista para os membros do MP dos Estados, à exceção dos casos de direito adquirido, desde a vigência do artigo 24, §2º, da Lei Complementar n. 40/1981 – diploma legal que foi integralmente estendido aos membros do MP do Distrito Federal e Territórios por meio do Decreto-Lei n. 2.627/1985 –, fica ressalvada apenas para aqueles membros do MP da União que, na forma do §3º do artigo 29 do ADCT, exerciam a atividade de advogado à época da entrada em vigor da Constituição de 1988, com base na Lei n. 1.341/1951. Mesmo assim, não podem atuar nas causas em que, por força de lei ou do interesse público, esteja prevista a atuação do Ministério Público, por qualquer de seus órgãos e ramos. É o que dispõe a Resolução CNMP n. 8/2006, com a redação da Resolução CNMP n. 16/2007.

Quanto à vedação de participação em sociedade comercial, salvo na condição de quotista ou acionista, prevista em relação aos membros dos MPs dos Estados e aos do MP do DF e Territórios, na forma do artigo 24, I, da Lei Complementar n. 40/1981, já existia quanto aos membros do MP da União desde a época da Lei n. 1.341/1951, cujo artigo 18, d, proibia “dirigir bancos, companhias, empresas ou estabelecimentos, subvencionados ou não”. Por se tratar de disposição antiga e de clareza solar, sobre ela o CNMP não produziu ato normativo, ao contrário da vedação de exercício de outras funções, salvo uma de magistério, objeto da Resolução CNMP n. 3/2005 (que limita em 20 horas-aula semanais a docência por parte de membros do MP, respeitada a compatibilidade de horários) e da vedação ao exercício de atividade político-partidária, matéria da Resolução CNMP n. 5/2006, em que se estabelece a proibição integral de atividade político-partidária apenas para os membros do MP que ingressaram na instituição após o advento da Emenda Constitucional n. 45/2004, permitindo-se, a contrario sensu, àqueles que já eram membros antes de tal emenda o direito de licenciarem-se para concorrer a cargo eletivo, na forma do artigo 44, V, in fine, da Lei n. 8.625/1993 e bem assim do artigo 204, IV, a e b, da Lei Complementar n. 75/1993.

No que concerne às faltas disciplinares funcionais de natureza processual, constituem elas, reunidas, um instrumental para a garantia da efetiva implementação da assim denominada Reforma do Judiciário, materializada por meio da Emenda Constitucional n. 45/2004. Assim, por exemplo, o direito constitucional à razoável duração do processo e à celeridade na prestação jurisdicional (CF, art. 5º, LXXVIII) pode ser alcançado, no âmbito do Ministério Público, pelo rigoroso cumprimento dos prazos processuais por parte dos membros, em realização material ao dever de agir com presteza. De igual modo, a necessária motivação das decisões e dos atos judiciais e administrativos (CF, art. 93, IX e X) materializa-se quanto ao MP (cf. CF, art. 129, §4º) na medida em que os membros, identificando-se sempre claramente, ajam invariavelmente com o maior zelo em suas atribuições, indicando os fundamentos jurídicos de seus pronunciamentos, inclusive elaborando relatórios em sua manifestação final ou recursal. Por último, a necessária indicação de suspeição ou impedimento por parte do membro do MP, sobre constituir antes de tudo uma questão de lealdade processual, é garantia de uma atuação sempre impessoal por parte da instituição, em atendimento ao princípio da impessoalidade que informa toda a atividade administrativa (CF, art. 37, caput).

Passando a comentar as faltas disciplinares funcionais institucionais, nelas se identificam violações de deveres legais que se justificam por questões de hierarquia e conveniência administrativa, como os referentes a prestar informações aos órgãos da administração superior ou a acatar as decisões desses mesmos órgãos. De igual forma, tratar todos com urbanidade no ambiente de trabalho assegura o bom funcionamento da atividade institucional, o que também ocorre com o comparecimento aos atos judiciais em que seja obrigatória ou conveniente a participação ministerial.

A propósito, vários tipos disciplinares procuram assegurar o comparecimento do membro do MP ao serviço, não apenas por uma questão de moralidade no trato com a coisa pública, mas também para o mais eficiente atendimento ao usuário e interação do MP com a sociedade. Exemplos de tais tipos são o de “abandono de emprego”, o de “deixar de atender ao expediente forense”, o de “atender os interessados a qualquer momento, em casos urgentes” e o de “morar, se titular, na respectiva comarca”, assunto que, por sua importância, mereceu regulamentação específica por parte do CNMP na forma da Resolução n. 26/2007 daquele órgão.

Em todos esses casos mencionados no parágrafo anterior, a instituição é a maior prejudicada pela falta disciplinar praticada. Da mesma forma, ao não defender as prerrogativas institucionais e processuais que lhe são ínsitas, o membro dá causa a um prejuízo para todos os demais membros, resultando no enfraquecimento da instituição como um todo, enfraquecimento que ocorre igualmente na hipótese de divulgação de segredo sobre assunto de caráter confidencial, ao qual o membro tenha acesso em razão de seu trabalho, fato de resto típico penalmente, na medida em que constitui o crime de violação de sigilo (Código Penal, art. 325).

Não obstante, o maior enfraquecimento institucional de todos consiste na violação, pelo membro, do dever de probidade. A improbidade administrativa, em quaisquer de suas modalidades, a ação que dá causa a danos ao erário, o alcance administrativo – verdadeira apropriação de verbas públicas a que se tenha acesso –, conduz à corrosão da imagem da instituição perante a sociedade, merecendo, por esse motivo, rigorosa reprimenda, sob a forma da aplicação da pena máxima de demissão.

Registre-se, a propósito, a existência na Lei Complementar n. 75/1993 das penas de advertência, censura, suspensão, demissão e cassação de aposentadoria ou disponibilidade, sendo essa lei aplicável, nesse particular, salvo lei específica estadual, a todo o MP nacional. O afastamento preventivo do membro, fundado na inconveniência do serviço ou na conveniência da instrução do inquérito ou do processo, pode vigorar por até 120 dias, na forma do artigo 260 da LC n. 75/1993, mas não constitui pena, uma vez que se defere ao membro indiciado o pagamento de vencimentos integrais enquanto durar o afastamento. Da mesma forma, a lei não contempla a colocação em disponibilidade como pena, ainda que por interesse público, por isso que a colocação em disponibilidade, salvo melhor juízo, não admite o mero pagamento de vencimentos proporcionais ao tempo de serviço.

A prescrição, como hipótese extintiva da punibilidade, restringe o poder persecutório disciplinar da Administração Pública. As penas de advertência e censura prescrevem em um ano, enquanto as de suspensão – que determinam a interrupção do pagamento dos vencimentos – prescrevem em dois anos. Por último, as penas de demissão ou cassação de aposentadoria ou disponibilidade prescrevem em quatro anos. A prescrição das penas começa a correr do dia da falta, ou do dia em que cessou a continuação ou permanência, no caso de falta continuada ou permanente, ficando admitida a interrupção do prazo por ocasião da instauração do processo administrativo disciplinar e da citação para a ação de perda do cargo.

Entretanto, naqueles casos em que a ação do membro corresponder, na esfera penal, a um tipo criminal, o prazo prescricional será o aplicável ao crime respectivo. Tudo conforme dispõem, nesse particular, os artigos 244 e 245 da Lei Complementar n. 75/1993. Inclusive, o Conselho Nacional do MP já decidiu no sentido de que, ainda quando o tipo na esfera disciplinar não constitua ele próprio um crime – verbi gratia, na hipótese de quebra de decoro, uma vez que o fato praticado em tese pelo membro corresponda a um tipo penal –, a prescrição será inexoravelmente a do tipo penal (Pedido de Revisão de Processo Disciplinar n. 798/2007-74, julgado em 10/3/2008).

A pena de advertência mostra-se cabível apenas na hipótese de “negligência no exercício das funções”, situação que se pode verificar, por exemplo, pelo descumprimento reiterado e habitual dos prazos processuais, bem como pela falta de zelo no exercício das funções. No descumprimento dos demais deveres previstos na Lei Complementar n. 75/1993, a regra geral é a imposição da pena de censura, assim como para o descumprimento das vedações legais a regra geral prevista é a pena de suspensão.

Todavia, o descumprimento de alguns deveres legais é reputado especialmente grave pelo legislador, rendendo ensejo, na forma do artigo 240 da Lei Complementar n. 75/1993, à pena máxima de demissão, o que é o caso do abandono de emprego (falta por trinta dias consecutivos ou sessenta, alternados, no período de um ano), da quebra de decoro qualificada a que já se fez menção, do descumprimento do dever de probidade, da hipótese de quebra de sigilo funcional, de se dar causa a um dano ao erário, caso em que, se de pequena monta o dano e atendidas as peculiaridades do caso e o histórico funcional do membro em causa, pode a demissão ser substituída pela suspensão. Ainda, redunda em demissão o exercício ilegal de cargo ou função pública, em descumprimento à vedação legal nesse sentido.

Por outro lado, a reincidência é causa expressa de agravamento das penas em geral, considerada esta pela nova prática de falta funcional em até quatro anos da ciência, pelo membro, da imposição contra si de uma pena disciplinar pretérita. Impõe-se insistir, por derradeiro, que a aplicação da pena de demissão, assim como a aplicação das penas de cassação de aposentadoria ou de disponibilidade (que se referem a faltas passíveis de demissão praticadas na ativa), dependem do ajuizamento da ação civil correspondente, de que tal ação civil seja julgada procedente e de que sua respectiva decisão condenatória transite em julgado definitivamente.

 

4 A persecução disciplinar e suas fases

 

Passando a cuidar do direito adjetivo disciplinar dos membros do MP, mostra-se inicialmente oportuno lembrar que se aplicam ao processo disciplinar vários dos princípios peculiares ao processo penal. Nesse sentido, impende destacar a incidência do princípio do devido processo legal, formal e substancial, do princípio da presunção de inocência, do princípio do contraditório, do princípio da ampla defesa, do princípio do non bis in idem e do princípio da individualização da pena, dentre outros. É necessário realçar, todavia, a lúcida advertência que faz Fábio Medina Osório, no que respeita ao tema, enfatizando que

No exame dos princípios que presidem o Direito Administrativo Sancionador, necessário perceber que nem sempre um mesmo princípio possuirá idêntico alcance. Não basta invocar, genericamente, a idéia de sanção administrativa para justificar uma aplicação automática e uniforme de um dado princípio do Direito Administrativo Sancionador, v.g, legalidade ou culpabilidade4.

Com razão o renomado professor, pois os princípios, apesar de manterem um referencial mínimo, um núcleo básico, podem sofrer restrições de aplicação por ocasião de sua integração ao direito disciplinar, conforme se trate de uma ou outra etapa da persecução disciplinar.

A propósito, constituem fases consecutivas da persecução disciplinar a sindicância, o inquérito administrativo disciplinar e o processo administrativo disciplinar, devendo-se abordar cada uma delas separadamente, para bem lhes destacar as características. Acerca da fase da sindicância, releva salientar que se trata de procedimento disciplinar inquisitorial, em regra reservado, com o fim de reunir elementos para a instauração, se for o caso, de inquérito administrativo disciplinar. A sindicância é facultativa e dispensável, pois se o corregedor-geral já dispuser de elementos suficientes para instaurar de imediato o inquérito administrativo, não apenas pode como deve fazê-lo. É o caso, por exemplo, de uma representação que alguém protocolize contra um membro, acostando um sólido conjunto fático-probatório no sentido da ocorrência de uma falta disciplinar.

Ainda cabe enfatizar que a sindicância é instaurada e conduzida monocraticamente pelo corregedor-geral, embora nada impeça que uma comissão de membros seja constituída para atuar. No entanto, a sindicância não pode ser muito demorada, pois constitui um procedimento meramente preparatório, não se justificando como um fim em si mesmo, já que torna mais lenta a persecução disciplinar, aumentando o risco de prescrição, e, ao contrário do que ocorre na lei geral do funcionalismo civil, ela não redunda na aplicação de pena ao seu final. Por esse motivo, se a hipótese demanda apuração mais complexa, com ampla dilação probatória, será melhor finalizar a sindicância e proceder à instrução na fase do inquérito administrativo disciplinar.

Por outro lado, constitui impropriedade falar-se na espécie que o membro envolvido nos fatos apurados coloca-se na posição de sindicado. Na sindicância, faz-se o primeiro apanhado de como os fatos se deram, e, nessa ocasião, ainda não existe juízo de valor algum do órgão disciplinar acerca da existência de falta funcional e/ou de quem é a culpa, não havendo sequer obrigatoriedade de se ouvir o membro ou os membros envolvidos nos fatos. Todavia, reputando-se oportuno instar algum membro a se manifestar sobre os fatos, este poderá manifestar-se ou não, a juízo pessoal, salvo na hipótese de requisição de informações, caso em que a recusa constitui falta funcional. Consoante se observa, na fase da sindicância, é ampla a discricionariedade do corregedor-geral quanto a considerar presente um conjunto indiciário que justifique a instauração ou não de inquérito disciplinar.

Todavia, a ação do corregedor-geral não fica desprovida de controle interno – por meio do Conselho Superior ou do Colégio de Procuradores, consoante se trate de membro do MP da União ou estadual, que apreciam os relatórios finais das sindicâncias arquivadas – nem de controle externo, uma vez que o Conselho Nacional do Ministério Público pode, no prazo de um ano, acolhendo proposta do corregedor nacional, rever a decisão de arquivamento de qualquer processo disciplinar sobre membro do Ministério Público, além de poder o corregedor nacional agir de ofício, ou em face de representações, sem prejuízo da competência disciplinar e correicional da Corregedoria-Geral (CF, art. 130-A, §2º, III e IV, §3º, I), conquanto se assegure às corregedorias-gerais o prazo de 120 (cento e vinte) dias para apurar fatos acerca dos quais porventura ainda não se tenha manifestado (Regimento Interno do CNMP, art. 71, §4º).

Sem embargo de todos esses controles, impende destacar a necessidade que se tem de preservar a imagem, a honra e a intimidade dos membros do Ministério Público, que, muitas vezes, justamente por serem incansáveis no exercício de suas atribuições, têm sua integridade questionada em função de denúncias anônimas ou representações absolutamente infundadas e sem a menor indicação de qualquer elemento de prova, indício ou mínima credibilidade. Em casos que tais, e bem assim nos relativos a condutas disciplinares prescritas, o Conselho Nacional do Ministério Público, acertadamente, incluiu em seu Regimento Interno (art. 31, I) a possibilidade de o corregedor nacional do Ministério Público, monocraticamente, arquivar os autos do procedimento preliminar por ele instaurado, dando ciência ao plenário, sem, contudo, demandar a homologação do arquivamento em julgamento da matéria pelo plenário, mediante distribuição a relator e com os consectários de ampla publicidade daí decorrentes, em face da Emenda Constitucional n. 45/2004.

Nesses mesmos casos, convém que as corregedorias-gerais dos Estados e da União disponham igualmente do poder de arquivar monocraticamente as sindicâncias que instaurarem de ofício, dando mera ciência reservada ao respectivo Conselho Superior ou Colégio de Procuradores, sendo descabido o julgamento público por tais órgãos de administração superior, com evidente exposição injustificada da imagem do membro injustamente assacado em sua honra com uma representação absolutamente infundada e despropositada, ou, ainda, por conduta há muito prescrita. Tal apreciação do arquivamento mediante formal julgamento somente é obrigatória na hipótese de ter partido do órgão colegiado superior a determinação à corregedoria-geral de instauração da sindicância. É o que decorre, como exemplo para o MP da União, da interpretação sistêmica e lógica do artigo 166, XI, c/c o artigo 174, II, da Lei Complementar n. 75/1993 (MPDFT).

Passando a tratar do inquérito administrativo, releva notar que tal procedimento investigativo de falta funcional deve obrigatoriamente ser instaurado pelo corregedor-geral “sempre que tomar conhecimento de infração disciplinar” (art. 247). Esse conhecimento da infração disciplinar poderá decorrer da obtenção de elementos suficientes a partir de atuação ex officio da corregedoria-geral ou tendo em conta o recebimento de peças de informação de membros da instituição, de autoridades judiciais ou outras autoridades, ou o recebimento de representação por advogado, pessoa do povo ou mesmo pessoa anônima, mas cujos fundamentos sejam bastantes a trazer-lhe foros de credibilidade.

Por elementos mínimos para tomada de conhecimento da falta disciplinar pelo corregedor-geral, pode-se entender pelo menos a confirmação fática de sua efetiva ocorrência, considerando-se a subsunção, em tese, de uma dada conduta de um membro a um particular descumprimento de dever ou vedação legal, com todos os elementos essenciais do tipo respectivo. Além desse trabalho de tipificação, que é provisório, impõe-se a determinação da data do fato, do horário, do local, do número de pessoas envolvidas e das circunstâncias essenciais à configuração em tese da conduta típica que se visualiza como possível de ter ocorrido.

Com esses elementos mínimos, impende reafirmar ser possível fazer o indiciamento imediato do membro envolvido na conduta típica em nível disciplinar, dispensando-se a sindicância e instaurando-se diretamente o inquérito administrativo disciplinar. Por outro lado, tais elementos mínimos podem ter sido obtidos justamente por meio da tramitação da sindicância, que, na letra do artigo 246 da Lei Complementar n. 75/1993, é justamente “o procedimento que tem por objeto a coleta sumária de dados para instauração, se necessário, de inquérito administrativo”. Ainda, mesmo que os elementos mínimos declinados tenham sido apenas parcialmente obtidos, naqueles casos em que houver complexidade da instrução, com necessidade de se produzir prova pericial e farta prova testemunhal, impõe-se como medida de inteligência a instauração do inquérito administrativo disciplinar.

Detalhando o procedimento de tramitação dos inquéritos administrativos disciplinares, ressalte-se a necessidade formal de portaria para sua instauração, com o indiciamento de um dado membro, pelo corregedor-geral, como possível autor de uma dada falta funcional, a qual deve ser devidamente especificada em termos de tipicidade. A Lei Complementar n. 75/1993, em seu artigo 247, aplicável subsidiariamente aos Estados, à luz do artigo 80 da Lei n. 8.625/1993, estabelece que será necessariamente constituída comissão de três membros, sendo que um deles pode ser o corregedor-geral, mas todos têm de pertencer ao menos à mesma classe que o membro indiciado, na carreira do Ministério Público. É de se notar que, a exemplo da sindicância, o inquérito administrativo disciplinar é procedimento inquisitorial e reservado, sendo o sigilo expressamente previsto em lei (LC n. 75/1993, art. 247,), devendo durar de 30 a 60 dias, mas não podendo ultrapassar 120 dias, nomeadamente nas hipóteses em que o procedimento foi instaurado por determinação do CNMP.

Todavia, ao contrário da sindicância, na qual não se impõe a realização de contraditório algum, no inquérito disciplinar a lei assegura a defesa, pois aí sim já há uma investigação formalmente instaurada pela corregedoria-geral, contra um membro que se coloca, como corolário, na condição de investigado, de indiciado, isto é, contra quem existem indícios. No entanto, a defesa que defere a lei ao membro indiciado materializa-se em grau mínimo, assegurando tão-somente o direito de vista integral dos autos ao final de toda a instrução – vista pessoal ou por meio de advogado5 – e o de apresentar defesa escrita, antes da elaboração do relatório final. Assim, por exemplo, no que respeita à produção de prova, não é obrigatório produzi-la na presença do investigado ou de pessoa por ele designada, uma vez que este tem a prerrogativa de produzi-la toda novamente, por ocasião do processo administrativo disciplinar, como garante o artigo 254, §4º, in fine, da Lei Complementar n. 75/1993.

A liberdade da comissão para produzir provas é ampla, podendo proceder a inspeção, colher prova documental, testemunhal, pericial, audiovisual, e admite, quanto às diligências, os poderes de requisição deferidos genericamente aos membros no artigo 8º da Lei Complementar n. 75/1993, dentre os quais releva destacar o de notificar testemunhas e requisitar sua condução coercitiva, no caso de ausência injustificada, requisitar informações, exames e documentos de autoridades da Administração Pública direta ou indireta, bem como informações e documentos de entidades privadas, expedir notificações e intimações, ter acesso a bancos de dados e realizar diligências investigatórias. Por outro lado o colendo Supremo Tribunal Federal tem jurisprudência firmada no sentido da admissibilidade da utilização, na esfera disciplinar, da prova emprestada do inquérito policial ou da ação penal respectiva, mesmo em se tratando de prova obtida mediante quebra de sigilo autorizada judicialmente e ainda que a autorização tenha sido concedida para a investigação de terceiros6.

Finda a instrução e ofertada a oportunidade da defesa escrita ao membro indiciado, cabe à comissão de inquérito disciplinar produzir o seu parecer conclusivo, no qual deverá necessariamente posicionar-se quanto à necessidade de instauração ou não do competente processo administrativo disciplinar (PAD). Caso se pronuncie positivamente, deverá elaborar a súmula da acusação e submetê-la ao Conselho Superior ou Colégio de Procuradores, consoante se trate de membro do MP da União ou dos Estados. Outrossim, na hipótese de se manifestar pelo arquivamento, os autos devem ser igualmente enviados ao órgão colegiado respectivo, que poderá rejeitá-lo, caso em que enviará os autos ao corregedor-geral, para a elaboração da súmula de acusação. O corregedor-geral, nesse caso, assim como no de apuração de fatos anteriormente arquivados por ele, mas que tenham tido o arquivamento revisto pelo órgão colegiado superior interno ou pelo Conselho Nacional do Ministério Público, não tem independência funcional assegurada, porquanto exerce função de atividade-meio, tipicamente administrativa, restringindo-se tal garantia ao exercício da atividade-fim institucional7.

Em caso de recebimento da súmula de acusação pelo Conselho Superior ou Colégio de Procuradores, o que equivale no âmbito disciplinar ao recebimento da denúncia na ação penal pública, deve ser instaurado o competente processo administrativo disciplinar, com a formação da comissão respectiva, para a qual há a obrigação de se convocar novos membros, que não tenham atuado nas fases anteriores, nem tenham qualquer relação com os fatos, impedimento ou suspeição. De outra parte, o processo disciplinar deverá ser concluído em 90 (noventa) dias, prorrogáveis por mais 30 (trinta), totalizando tempo de tramitação global de 120 (cento e vinte) dias.

Importa destacar que, ao contrário das fases anteriores da persecução disciplinar, no processo administrativo disciplinar, a aplicação dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório é plena. É o que estabelece o artigo 252 da Lei Complementar n. 75/1993 ao dispor que “O processo administrativo, instaurado por decisão do Conselho Superior, será contraditório, assegurada ampla defesa ao acusado”. A propósito, consoante ensina Celso Ribeiro Bastos,

O contraditório é a exteriorização da própria defesa. A todo ato produzido caberá igual direito da outra parte de opor-se-lhe ou de dar-lhe a versão que lhe convenha, ou ainda de fornecer uma interpretação jurídica diversa daquela feita pelo autor. Por ampla defesa deve-se entender o asseguramento que é feito ao réu de condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade, a colocação da questão posta em debate sob um prisma conveniente à evidenciação de sua versão8.

No processo administrativo disciplinar, o membro acusado é formalmente citado para apresentar defesa prévia no prazo de 15 (quinze) dias. Pode a comissão entender oportuno que seja interrogado, tendo nesse caso a faculdade de permanecer em silêncio, em respeito ao princípio nemo tenetur se detegere. No entanto, o interrogatório quanto a fatos que envolvem a conduta de eventuais coautores, como pondera adequadamente Sebastião José Lessa, “deve ser entendido como testemunho e tomado na presença do defensor do co-acusado, sob pena de nulidade por ofensa ao princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa, ex vi do art. 5º, inc. LV, da Carta Política”9, sendo que nesse sentido vem igualmente decidindo a jurisprudência pátria10.

O membro acusado pode e deve constituir advogado, mas, se não o fizer, não haverá nulidade, e nesse sentido o colendo Supremo Tribunal Federal recentemente editou a Súmula Vinculante n. 5, segundo a qual “A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição” (Sessão Plenária de 7/5/2008, DJ n. 88/2008, p. 1, publicada em 16/5/2008). Não obstante, mesmo que permaneça alheio ao processo, o membro não ficará sem defesa, que será exercida por outro membro, designado defensor dativo. A expertise do defensor dativo, pelo menos da mesma classe na carreira que o membro acusado, não apenas garante uma defesa técnica de alto nível, mercê da condição obrigatória de experiente bacharel em Direito dos membros do MP, como afasta qualquer possível alegação de nulidade, até porque, para o caso, a determinação da Lei Complementar n. 75/1993 é expressa (art. 254, § 3º).

Por ocasião da instrução, o acusado e/ou seu defensor não apenas podem requerer provas na defesa prévia, como também demandar que seja refeita toda a prova testemunhal produzida nas fases anteriores. Ainda, o membro acusado e/ou seu advogado têm o direito de se fazer presente em todas as colheitas de prova, fazer perguntas às testemunhas, formular quesitos à eventual perícia etc. Por outro lado, os pedidos de produção de prova podem ser rejeitados se forem impertinentes ou procrastinatórios. Finda a instrução, o membro acusado tem o direito de apresentar alegações finais à comissão do PAD, após o que o feito deve ser relatado e encaminhado ao órgão colegiado superior competente, Conselho Superior ou Colégio de Procuradores.

É importante notar que, quando a lei fala na produção de mero relatório pela comissão do PAD, ela quer dizer que não cabe aos seus respectivos membros formular juízo de valor sobre a acusação, como é o caso da comissão de inquérito, pois no PAD a acusação já está formulada e delimitada pela respectiva súmula, enquanto o julgamento desta cabe exclusivamente ao órgão colegiado superior. Aliás, a propósito do julgamento, impende ressaltar que o membro acusado deve ser pessoalmente intimado da designação da sessão, a fim de que possa, querendo, sustentar oralmente suas razões, por ocasião do julgamento, pessoalmente ou por meio de advogado ou defensor dativo. O julgamento será público e as decisões, fundamentadas e tomadas pela maioria absoluta dos membros do órgão colegiado superior, em atenção ao disposto no artigo 93, X, c/c o artigo 129, § 4º, ambos da Constituição Federal.

Outrossim, julgando-se procedente a súmula de acusação, caberá ao procurador-geral de Justiça aplicar as penas de advertência, censura e suspensão, as duas primeiras, reservadamente. As demais penas, de demissão e cassação de aposentadoria ou disponibilidade, somente por decisão judicial transitada em julgado. A derradeira observação é que não fica excluído eventual recurso ao Conselho Nacional do Ministério Público, na forma da Constituição e do respectivo regimento interno daquele novel órgão colegiado, sendo ainda possível se ajuizar o competente pedido de revisão do processo, o que é admitido pelo artigo 262, caput, e incisos I e II da Lei Complementar n. 75/1993, “a qualquer tempo”, “quando se aduzam fatos ou circunstâncias suscetíveis de provar inocência ou de justificar a imposição de sanção mais branda”, ou “quando a sanção se tenha fundado em prova falsa”, sem falar na revisão pelo Poder Judiciário, que pode inclusive avaliar a justiça da sanção administrativa à luz de princípios como o da proporcionalidade, conforme recentemente decidiu a excelsa Corte11.

 

5 Conclusão

 

Do que foi exposto, cabe sintetizar que, como fiscal da aplicação da Constituição Federal e das leis, o membro do Ministério Público está sujeito a rigoroso controle político-administrativo. O controle é especial, em face de sua condição de agente político, estando inclusive sujeito a crime de responsabilidade, revelando-se mais complexo que o do servidor público em geral, ressalvada a sua atuação como gestor, em que responde como qualquer outro administrador de dinheiros públicos, inclusive perante o tribunal de contas respectivo. Em realidade, o controle a que está sujeito o membro do MP pode ser identificado em, ao menos, três diferentes níveis.

O primeiro deles e o mais importante é o controle feito pela própria sociedade, que recorre ao Ministério Público na mesma medida em que verifica que ali obtém auxílio na defesa de seus direitos. Cabe ao membro do Ministério Público antes de tudo servir à sociedade, de forma eficiente e isenta. O segundo controle e o mais efetivo é o controle interno, exercido pela corregedoria-geral, que atua de ofício ou recebe representações de cidadãos, de autoridades de todos os poderes, atuando na esfera disciplinar quando necessário, para assegurar a ordem e a eficiência da atividade administrativa, bem como a integridade da honra e da imagem institucional, preocupando-se igualmente em assegurar aos membros do Ministério Público as condições para um adequado e tempestivo exercício de suas atribuições. O terceiro e último controle, coordenado, complementar e externo, é o exercido pelo Conselho Nacional do Ministério Público.

Na comparação entre os tipos disciplinares da Lei Orgânica Nacional do MP (Lei n. 8.625/1993), aplicável aos MPs estaduais, e a Lei Complementar n. 75/1993, aplicável aos membros do Ministério Público da União, bem se verifica que a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público é mais pródiga em hipóteses genéricas de faltas disciplinares, restando, entretanto, afastada a utilização da Lei n. 8.625/1993 para os membros do MPU e vice-versa, porquanto não se admite o uso da analogia in malam partem para acrescentar tipos não especificamente previstos. Assim, por exemplo, “deixar de cumprir as decisões dos órgãos superiores” constitui uma falta funcional na Lei n. 8.625/1993, mas a mesma conduta tem de ser enquadrada entre os membros do MPU como “falta de zelo no exercício das funções”, à falta de um tipo disciplinar específico.

Maior ou menor o número de tipos, é fato que se o Ministério Público não é nacional, coexistindo leis orgânicas variadas e diferentes, por outro lado é uniforme no país a conduta escorreita da esmagadora maioria dos membros do parquet, por isso que seu comportamento disciplinar é, em termos genéricos, digno de encômios. Há, todavia, a necessidade de superação de algumas visões corporativas, como a utilização da independência funcional como verdadeira imunidade para todas as ações e opiniões, olvidando-se que o membro do MP, antes de todos, tem a obrigação de observar as leis. Por outro lado, a extrema flexibilidade que se concede aos membros para a condução de sua agenda profissional foi absorvida pela cultura político-administrativa, daí tendo surgido abusos – felizmente isolados – que, por colocarem em risco a observância dos deveres legais de atendimento do expediente forense e da sociedade, quando não o dever de cumprimento dos prazos processuais, devem ser definitivamente reprimidos, tanto assim que, desde a Reforma do Judiciário (Emenda Constitucional n. 45/2004), o direito à eficiência e à celeridade na prestação jurisdicional foi elevado à condição de direito constitucional fundamental.

A propósito, aliás, do cumprimento dos prazos processuais, importa separar a necessidade de se regularizar o andamento de um feito remanescente da responsabilidade disciplinar pelo fato de o feito se encontrar remanescente. Pode o atraso se encontrar justificado, em função do excesso de serviço e/ou da ausência de infraestrutura de apoio humano e material, em nível institucional. Justificado o atraso, não obstante o feito permaneça remanescente, e sem prejuízo da responsabilidade disciplinar, para a regularização do respectivo andamento, é perfeitamente possível a atividade de transação administrativa, por meio da utilização do compromisso de ajustamento, instituto pré-processual de natureza consensual.

A utilização do compromisso de ajustamento e de outras formas de transação administrativa, como o acordo na falta funcional de quebra do dever de urbanidade, constituem meios alternativos de resolução de litígios que evitam que o membro figure como acusado em processo administrativo disciplinar, prevenindo eventual prejuízo à sua carreira e assim facilitando sua inserção no seio institucional. Por outro lado, do ponto de vista institucional, seria oportuno de lege ferenda a unificação dos tipos das leis orgânicas (LC n. 75/1993 e Lei n. 8.625/1993) e bem assim a diversificação das penas, com a adoção de sanções como as de censura cumulada com pecuniária ou de censura pública, o que seria especialmente produtivo em termos de prevenção genérica e específica.

 

Referências

 

Bastos, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1989. v. 2.

Costa, José Armando da. Teoria e prática do direito disciplinar. São Paulo: Forense, 1981.

Lessa, Sebastião José. Do processo administrativo disciplinar e da sindicância: doutrina, jurisprudência e prática. 4. ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2006.

Meirelles, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 15. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990.

Osório, Fábio Medina. Direito administrativo sancionador. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

 

 

1 Costa, 1981, p. 3.

2 Meirelles, 1990, p. 108.

3 Osório, 2006, p. 264-265.

4 Osório, 2006, p. 196.

5 Consulte-se, a respeito, a seguinte decisão: Ementa: I. Habeas corpus: cabimento: cerceamento de defesa no inquérito policial. 1. Inaplicabilidade da garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa ao inquérito policial, que não é processo, porque não destinado a decidir litígio algum, ainda que na esfera administrativa; existência, não obstante, de direitos fundamentais do indiciado no curso do inquérito, entre os quais o de fazer-se assistir por advogado, o de não se incriminar e o de manter-se em silêncio. 2. Do plexo de direitos dos quais é titular o indiciado – interessado primário no procedimento administrativo do inquérito policial –, é corolário e instrumento a prerrogativa do advogado de acesso aos autos respectivos, explicitamente outorgada pelo Estatuto da Advocacia (L. 8.906/94, art. 7º, XIV), da qual – ao contrário do que previu em hipóteses assemelhadas – não se excluíram os inquéritos que correm em sigilo: a irrestrita amplitude do preceito legal resolve em favor da prerrogativa do defensor o eventual conflito dela com os interesses do sigilo das investigações, de modo a fazer impertinente o apelo ao princípio da proporcionalidade. 3. A oponibilidade ao defensor constituído esvaziaria uma garantia constitucional do indiciado (CF, art. 5º, LXIII), que lhe assegura, quando preso, e pelo menos lhe faculta, quando solto, a assistência técnica do advogado, que este não lhe poderá prestar se lhe é sonegado o acesso aos autos do inquérito sobre o objeto do qual haja o investigado de prestar declarações (STF, HC n. 82354/PR, rel. min. Sepúlveda Pertence, 1ª Turma, j. em 10.8.2004, DJ de 24.9.2004, p. 00042, Ementário n. 2165-1, p. 29, RTJ, vol. 191-02, p. 547).

6 Consulte-se, a respeito, a seguinte decisão: Ementa: Prova emprestada. Penal. Interceptação telefônica. Escuta ambiental. Autorização judicial e produção para fim de investigação criminal. Suspeita de delitos cometidos por autoridades e agentes públicos. Dados obtidos em inquérito policial. Uso em procedimento administrativo disciplinar, contra outros servidores, cujos eventuais ilícitos administrativos teriam despontado à colheita dessa prova. Admissibilidade. Resposta afirmativa a questão de ordem. Inteligência do art. 5º, inc. XII, da CF, e do art. 1º da Lei federal n. 9.296/96. Precedente. Voto vencido. Dados obtidos em interceptação de comunicações telefônicas e em escutas ambientais, judicialmente autorizadas para produção de prova em investigação criminal ou em instrução processual penal, podem ser usados em procedimento administrativo disciplinar, contra a mesma ou as mesmas pessoas em relação às quais foram colhidos, ou contra outros servidores cujos supostos ilícitos teriam despontado à colheita dessa prova (STF, Inq QO-QO 2424/RJ, rel. min. Cezar Peluso, Plenário, j. em 20.6.2007, acórdão publicado em 24.8.2007, p. 55, Ementário n. 2286-1, p. 152).

7 Consulte-se, a respeito, a seguinte decisão: STF, HC n. 71049/RJ, rel. min. Ilmar Galvão, 1ª Turma, j. em 15.12.1994, DJ de 17.3.1995, p. 5790, Ementário n. 1779-2, p. 203.

8 Bastos, 1989, p. 265.

9 Lessa, 2006, p. 221.

10 Consultem-se, nesse sentido, as seguintes decisões: TRF 1ª Região, ACR n. 1997.01.00.008681-6/BA, rel. des. federal Tourinho Neto, DJ de 22.8.1997; HC n. 2004.01.00.055866-5, rel. des. federal Olindo Menezes, DJ de 25.2.2005.

11 Consulte-se, nesse sentido, a seguinte decisão: STF, MS n. 23041/SC, rel. para o acórdão ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. em 11.2.2008, acórdão publicado em 1º.8.2008, Ementário n. 2326-02, p. 347.

 

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