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Fraudes nas relações de trabalho: morfologia e transcendência

Autor: Ronaldo Lima dos Santos - Procurador do Trabalho do Ministério Público do Trabalho em São Paulo; mestre e doutor em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP); professor universitário e membro do Núcleo de Combate às Fraudes nas Relações do Trabalho da Procuradoria Regional do Trabalho da 2ª Região.
Sumário: 1 A natureza ambivalente do direito do trabalho. 2 A fraude objetiva nas relações de trabalho. 3 Morfologia da fraude nas relações de trabalho. 3.1 Fraude por meio de contratos civis. 3.2 Fraude nas relações especiais de trabalho: estágio. 3.3 Cooperativas intermediadoras de mão de obra. 3.4 “Pejotização” de empregados. 3.5 “Socialização” de empregados. 4 A transcendência da fraude: danos sociais e concorrência desleal.

1 A natureza ambivalente do direito do trabalho

 

As relações de trabalho livre, embora presentes desde os primórdios da humanidade, ensejaram o nascimento de um novo ramo jurídico somente a partir do advento da Revolução Industrial, quando a prestação generalizada do trabalho assalariado passou a ser a forma predominante de trabalho no emergente sistema capitalista de produção. O direito do trabalho surgiu dos impactos da denominada questão social, a qual, segundo Manuel Carlos Palomeque Lopez, constitui um eufemismo que representa a “dulcificada envoltura semântica da exploração sistemática das classes trabalhadoras por obra da industrialização e do maquinismo dentro do modo de produção capitalista”1.

A doutrina liberalista, emergente à época, no campo político, revelou-se no repúdio às instâncias intermediárias entre a pessoa e o Estado (associações, sindicatos, corporações de ofício), com a proclamação e a sacralização dos direitos individuais, da soberania estatal e da separação dos poderes. No plano econômico, o liberalismo havia prescrito a abstenção do Estado nas relações econômicas (laissez faire, laissez passer), as quais seriam regidas por leis específicas, equiparáveis às leis físicas ou naturais, que operariam autonomamente e de forma inexorável à margem da vontade dos homens (lei da oferta e da procura no contexto de um mercado livre). No âmbito jurídico, o ideário liberal transpareceu no processo codificador do século XIX, que absorveu os dogmas da igualdade formal e da autonomia plena da vontade nas relações contratuais2.

Ao absorver os dogmas liberais da igualdade formal e da liberdade contratual sujeita à lei da oferta e da procura, a legislação civil mostrou-se incongruente para a regulamentação de uma nova categoria de relação jurídica advinda com o novo modo de produção capitalista – o trabalho subordinado, pessoal, habitual e assalariado –, marcada por sua natureza assimétrica e autocrática; o que suscitou a formação de novas categorias dogmáticas para a regulamentação dos conflitos entre trabalhadores e empregadores, cujo centro de gravidade consistia na própria canalização para o âmbito das relações de trabalho do desigual conflito de classes emergente na sociedade capitalista.

Nasce, nesse contexto, não somente um corpo legislativo regulamentador dos conflitos individuais e coletivos do trabalho, mas também um sistema de regulamentação com claro objetivo tuitivo e promocional de um dos polos da relação de trabalho: a figura do empregado; sendo que um dos veículos principais para essa proteção consistiu exatamente na relativização dos dogmas da autonomia da vontade e da igualdade formal entre as partes, consagrando-se os direitos sociais fundamentais dos trabalhadores, com vistas em impedir a sua coisificação e preservar a sua condição humana numa relação jurídico-material em que a sua pessoa ocupa uma posição central.

A hipótese normativa central do direito do trabalho – a relação de trabalho pessoal, assalariada e subordinada (relação de emprego) – jamais encontrou guarida nos contratos típicos da legislação civilista comum, nem tampouco se adaptou aos institutos desta, fundados na igualdade formal e, por vezes, absoluta das partes, tanto pelo conteúdo material do vínculo empregatício, que impedia seu enquadramento em qualquer figura contratual do direito civil, quanto pelos objetivos tuitivos e promocionais da sua regulamentação, a qual pressupôs um conjunto de institutos, princípios e regras específicas, que deu origem ao direito do trabalho e concedeu-lhe autonomia como novo ramo do ordenamento jurídico.

O direito do trabalho remete, num primeiro momento, não ao trabalho como um bem, mas ao trabalhador como sujeito de direito e como pessoa humana3. Assim, diversamente do direito civil, o direito do trabalho consiste, primordialmente, num instrumento de promoção dos denominados direitos humanos de segunda dimensão – os direitos sociais ou direitos de igualdade – correlacionados às relações de trabalho4. Por outro lado, ao contrário do que propugnam as oportunistas doutrinas neoliberalistas, o direito do trabalho também foi uma necessidade política, ideológica e normativa para a subsistência do próprio sistema capitalista, cujo grau de exploração do trabalho alheio colocou em risco o próprio regime emergente.

Como assinala Manuel Carlos Palomeque Lopez,

Ao mesmo tempo que é o instrumento protector das relações capitalistas, cuja dominação legaliza e reproduz, através do contrato de trabalho, o Direito do Trabalho limita certamente a exploração da força do trabalho e garante importantes meios de luta dos trabalhadores. É, igualmente, o resultado tanto da acção dos trabalhadores e das suas organizações contra a ordem capitalista (direito conquistado), como o combate do empresário e do poder político contra a acção dos trabalhadores (direito concedido, funcional às relações de produção capitalistas)5.

Nesse patamar residem, entre outros, os fundamentos do direito do trabalho: por um lado um instrumento garantidor de justiça social e de direitos fundamentais e, por outro, um marco limitador imposto pelo próprio regime capitalista para o intrínseco sistema de exploração do trabalho alheio. Trata-se de um corpo normativo concomitantemente anticapitalista e capitalista, uma vez que, ao mesmo tempo em que se fortaleceu pela atuação de movimentos anticapitalistas, também encontrou defesa naqueles que temiam o fim do próprio sistema6. Numa perspectiva freudiana, poder-se-ia metaforizar que o direito do trabalho constitui um instrumento limitador da pulsão de exploração e coisificação da pessoa do trabalhador pelos empregadores, adotado pelo próprio superego do capitalismo diante das ameaças à sua subsistência.

Relevante assinalar que, contrariamente aos argumentos sobre a necessidade de diminuição do custo do valor trabalho como forma de conceder competitividade às empresas, a fraude nas relações de trabalho decorre mais de uma herança escravista da sociedade brasileira, que gerou uma cultura de exploração e aviltamento das pessoas dos trabalhadores, do que uma necessidade econômica em face de fenômenos como globalização e concorrência externa7. Os países com economias mais sólidas e competitivas são exatamente aqueles onde os trabalhadores possuem amplas garantias sociais e trabalhistas e que, coincidentemente, são sociedades mais igualitárias.

Não se pode negar o caráter pessoal (e não econômico) do cometimento da fraude nas relações de trabalho. Assim como a quase totalidade dos ilícitos penais não ocorre por um estado de necessidade ou legítima defesa, mas por motivações pessoais do agente, a fraude nas relações de trabalho baseia-se muito mais no caráter usurário do empregador, que almeja maior aferição econômica por meio do aumento da mais-valia e da mercantilização do labor. Como relembra Arnaldo Süssekind,

Em toda comunidade, durante a história da civilização, apareceram, como surgirão sempre, pessoas que procuram fraudar o sistema jurídico em vigor, seja pelo uso malicioso e abusivo do direito de que são titulares, seja pela simulação de atos jurídicos, tendente a desvirtuar ou impedir a aplicação da lei pertinente, seja, enfim, por qualquer outra forma que a má-fé dos homens é capaz de arquitetar. Por isto mesmo, inúmeros são os atos praticados por alguns empregadores inescrupulosos visando a impedir a aplicação dos preceitos de ordem pública consagrados pelas leis de proteção ao trabalho.

A humanização da relação de trabalho nuclear do sistema capitalista de produção – a relação de emprego –, a partir da sua desmercantilização, por meio do asseguramento de uma série de garantias e de direitos sociais básicos ao trabalhador, é o símbolo da sua transcendência, pois a sua preservação possui um interesse econômico-social que ultrapassa o círculo de interesse individual do trabalhador e atinge toda a sociedade e a subsistência do próprio sistema econômico, não obstante a proteção da dignidade humana do trabalhador ser o núcleo central de todo o sistema de relações de trabalho e do direito do trabalho.

Dentro dessa dinâmica, de um modo geral, o instituto da fraude nas relações de trabalho é um pernicioso instrumento de tentativa de mercantilização do labor, consistente no emprego de métodos, procedimentos, condutas e mecanismos jurídico-formais, que, por intermédio da concessão de uma roupagem jurídica fictícia a uma relação de emprego, visam obstar, no todo ou em parte, a imputação da legislação trabalhista e a observância dos direitos sociais fundamentais dos trabalhadores.

 

2 A fraude objetiva nas relações de trabalho

 

Atualmente a legislação civil possui diversos institutos tuitivos e promocionais de um dos polos da relação jurídica (principalmente nas áreas de consumidor e meio ambiente), afastando-se, em determinadas hipóteses normativas, do dogma formal da autonomia plena da vontade; entretanto, seus institutos jamais se adaptaram à hipótese normativa nuclear do direito do trabalho – a relação de emprego –, tendo em vista que esta pressupõe uma cadeia de valores diversa da que norteia os institutos da legislação civil. Por isso, muitos destes institutos ou foram reelaborados pela própria legislação do trabalho ou, quando aplicáveis a esta, sofreram amplas reestruturações e reintepretações para adaptarem-se aos princípios, às regras, aos institutos e objetivos específicos do direito do trabalho e à preservação dos direitos sociais dos trabalhadores.

De acordo com essa diretriz, o instituto da fraude nas relações de trabalho sempre foi regido por princípios diversos dos do direito civil, pois enquanto neste faz-se normalmente necessária a prova do consilium fraudis para o reconhecimento do vício do ato jurídico, no direito do trabalho, em razão do estado de hipossuficência jurídica do empregado (e, na predominância das relações de trabalho, hipossuficiência também econômica), adotou-se o instituto da fraude objetiva, cristalizada no artigo 9º da CLT, in verbis: “Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação”.

A fraude objetiva no direito do trabalho é corolário do contrato-realidade, tal como propugnado por Mario de La Cueva, uma vez que, presentes os requisitos da relação de emprego (pessoalidade, subordinação, não eventualidade, onerosidade e alteridade – artigos 2º e 3º da CLT), numa determinada prestação ou relação de trabalho, é indiferente para o direito do trabalho a presença ou não do consilium fraudis entre as partes ou mesmo da conscientia fraudis por parte do empregador, com a consequente nulidade dos atos fraudulentos e o reconhecimento da relação de emprego entre as partes.

Diz-se objetiva a fraude nas relações de trabalho porque, ao contrário do que ocorre no direito civil, para a sua aferição basta a presença material dos requisitos da relação de emprego, independentemente da roupagem jurídica conferida à prestação de serviços (parceria, arrendamento, prestação de serviços autônomos, cooperado, contrato de sociedade, estagiário, representação comercial autônoma etc.), sendo irrelevante o aspecto subjetivo consubstanciado no animus fraudandi do empregador, bem como eventual ciência ou consentimento do empregado com a contratação irregular, citando-se, v.g., nesta última hipótese, a irrelevância dos termos de adesão às falsas cooperativas pelos trabalhadores com vistas em alcançar um posto de trabalho dentro de determinada empresa; a inscrição e consequente prestação de serviços como autônomo ou representante comercial, apesar da existência de um vínculo empregatício; a exigência de constituição de pessoa jurídica (“pejotização”) pelo trabalhador para ingressar no emprego etc., uma vez que constituem instrumentos jurídicos insuficientes para afastar o contrato-realidade entre as partes.

Nesse sentido, é irrelevante para a configuração da relação de emprego a natureza do ato de ingresso do trabalhador na prestação de serviços, pois a existência daquela dependerá objetivamente do modus operandi da prestação de serviços e não dos aspectos formais que a revestem. Exatamente na fase de contratação se localiza um dos pontos de maior vulnerabilidade do empregado e da sua autonomia volitiva, sendo esse momento a porta privilegiada para submissão do empregado a formas dissimuladas de contratação.

 

3 Morfologia da fraude nas relações de trabalho

 

A fraude à relação de emprego possui uma morfologia ampla e diversificada, que se sofistica paralelamente à complexidade das próprias relações de trabalho e das novéis formas de produção e expansão mercantil. Nesse contexto, analisaremos perfunctoriamente algumas das modalidades de fraude numericamente mais expressivas nas relações de trabalho, não obstante depararmo-nos com diversos outros expedientes fraudatórios do vínculo de emprego.

3.1 Fraude por meio de contratos civis

Como se observa do desenvolvimento da legislação do trabalho até a elaboração jurídico-científica da categoria nuclear do direito do trabalho – a relação de trabalho subordinada, pessoal, não eventual e assalariada –, como hipótese normativa específica deste novo corpo legislativo, as primeiras teorias contratuais sobre essa modalidade de prestação de serviços, fundamentadas na legislação civil, tentaram enquadrá-la numa das formas contratuais clássicas – arrendamento, compra e venda, sociedade, mandato, parceria, locação de serviços (locatio operarum), representação comercial autônoma. Tal fato decorre de o contrato de trabalho ser uma das espécies de contrato de atividade, o que lhe concede um grau de semelhança com algumas características dos contratos supracitados.

Nesse diapasão, as primeiras formas de manifestação de fraude nas relações de trabalho debruçaram-se exatamente nas figuras contratuais clássicas do direito civil ou do direito comercial. De fato, com vistas em furtarem-se à satisfação dos direitos sociais dos trabalhadores, determinados empregadores intentam afastar a figura da relação de emprego impondo ao trabalhador a sua contratação por meio de uma das figuras contratuais clássicas da legislação civil supracitadas, embora a prestação de serviços se desenvolva como típica relação de emprego, isto é, de forma pessoal, subordinada, contínua, onerosa e com alteridade (CLT, arts. 2º e 3º).

Não obstante as diversas discussões doutrinárias sobre o critério da subordinação como o centro de gravidade da relação de emprego, evidentemente que este persevera como o principal elemento diferenciador das relações de trabalho civis e comerciais da relação de emprego. Assim, independentemente da figura contratual adotada, uma vez ausente a autonomia organizacional do trabalho do prestador de serviços, com o exercício da sua atividade laboral de forma pessoal e sob a direção do tomador, e sem assunção ativa (propriedade dos meios de produção) e passiva (responsabilidade pelos riscos do empreendimento), está-se diante de típica relação de emprego, o que invoca a tutela juslaboral do trabalhador.

Conquanto as fraudes no direito do trabalho venham recebendo sofisticação, ainda se verifica em diversas circunstâncias a utilização dessas figuras contratuais como forma de ocultar formalmente a presença de uma relação de emprego, como nas hipóteses de contratação de vendedores como representantes comerciais autônomos; emprego de profissionais de informática como prestadores de serviços autônomos; contratação de empregados rurais como parceiros ou meeiros8 etc.

Considerando-se que a relação de emprego constitui a forma predominante de trabalho na sociedade capitalista, diante da invocação da fraude pelo empregado contratado por meio de contrato civil, caberá ao empregador, admitida a prestação de serviços, o ônus de comprovar a inexistência da relação de emprego (CLT, art. 818 c/c art. 333), conforme a máxima “o ordinário se presume e o extraordinário se comprova”.

3.2 Fraude nas relações especiais de trabalho: estágio

Consoante os artigos 442 e 443 da Consolidação das Leis do Trabalho, o contrato de trabalho, por via de regra, não possui forma prescrita em lei, podendo ser celebrado tácita ou expressamente, inclusive de forma verbal ou escrita. Assim, conforme a regra geral, o contrato de trabalho constitui uma espécie contratual não solene, sujeito à liberdade de forma; esta possui um caráter ad probationem no que toca à relação de emprego ou de condições especiais de trabalho (v.g., contratos por tempo determinado).

Não obstante a informalidade geral da relação de emprego, algumas relações especiais de trabalho pressupõem a celebração solene do contrato (ad solemnitatem), sendo o respectivo instrumento ad substantia negotii. A forma solene constitui pressuposto para a formalização de determinadas relações especiais de trabalho ou condições especiais de trabalho, que, em razão de peculiaridades no desenvolvimento do labor, excepcionam, no todo ou em parte, a aplicação do direito do trabalho e da legislação social. Nesse contexto, enquadram-se o contrato de estágio (atualmente regido pela Lei n. 11.788/2008, cujo desenvolvimento pressupõe a celebração de termo de compromisso entre o educando, a parte concedente do estágio e a instituição de ensino) e o contrato de trabalho temporário (regido pela Lei n. 6.019/1974, que deve ser obrigatoriamente escrito, pois constitui a única hipótese de intermediação de mão de obra e dupla subordinação do emprego prevista em lei). Entretanto, ambas as figuras são deveras empregadas para o exercício da fraude à relação de emprego.

No que se refere ao estágio, nos aspectos jurídico-materiais, a relação de estágio constitui uma relação de trabalho pessoal e subordinada e, por vezes, onerosa, assemelhando-se a uma relação de emprego. Porém, diferentemente das demais relações de trabalho, o estágio tem como objetivos a complementação do ensino e o “aprendizado de competências próprias da atividade profissional e a contextualização curricular, objetivando o desenvolvimento do educando para a vida cidadã e para o trabalho” (Lei n. 11.788/2008, art. 2º). Visa fornecer conhecimento prático-profissional ao estudante, agregando-o ao teórico. Trata-se de uma relação de trabalho subordinado especial que tem como meta principal o desenvolvimento pedagógico-profissional do trabalhador e não a sua subsistência.

Diferencia-se, outrossim, pela mitigação da alteridade do trabalho, pois o estágio é concedido primordialmente em benefício do estudante, não podendo ser utilizado como simples instrumento de substituição de mão de obra necessária à realização das atividades-fim, essenciais e permanentes da entidade concedente. Não obstante, tem sido comum a contratação de trabalhadores (estudantes) sob o rótulo de estagiário para esse desiderato, com vistas em baratear o fator trabalho para o empregador, sem que haja qualquer correlação entre os serviços prestados pelo trabalhador (estudante) e a sua formação educacional, em flagrante fraude à legislação trabalhista, inclusive com a participação dos agentes de integração9. Tal incompatibilidade, per si, justifica a nulidade da contratação e o reconhecimento do vínculo empregatício entre as partes.

A Lei n. 11.788/2008, em determinados aspectos, tornou mais rigorosa a concessão do estágio, prevendo diversos requisitos formais e materiais, cuja ausência acarreta automaticamente o reconhecimento de vínculo de emprego entre as partes, destacando-se: matrícula e frequência regular do educando em curso de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, da educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos; existência de unidade em condições de proporcionar experiência prática na linha de formação; realização obrigatória de atividades complementares ao ensino na área de formação do estudante; celebração de termo de compromisso com participação de todos os sujeitos: estudante, parte concedente e instituição de ensino (intervenção obrigatória); compatibilidade entre as atividades desenvolvidas no estágio e aquelas previstas no termo de compromisso; sistemático acompanhamento pelo professor orientador da instituição de ensino e pelo supervisor da parte concedente (art. 3º, § 2º); jornada de trabalho compatível com o horário escolar (art. 10, caput).

Verificando-se a ausência de quaisquer dos requisitos formais ou materiais previstos na lei para a concessão do estágio, o vínculo de emprego forma-se automaticamente com a parte concedente, que deverá arcar com todos os direitos trabalhistas do trabalhador, com responsabilidade solidária de eventual agente de integração. Na hipótese de reincidência da instituição concedente previu-se o impedimento do recebimento de estagiários pelo período de 2 (dois) anos, sem prejuízo das demais responsabilidades (Lei n. 11.788/2008, art. 15).

3.3 Cooperativas intermediadoras de mão de obra

Em nosso atual contexto de relações de trabalho, sob a falsa premissa de combate ao desemprego, proliferou a contratação de cooperativas intermediadoras de mão de obra, a partir da contratação de trabalhadores sob o falso manto de cooperados para o exercício de atividades-fim, essenciais e permanentes das empresas contratantes (tomadoras), em regime de pessoalidade, subordinação, onerosidade, não eventualidade e alteridade com o tomador dos serviços.

Não obstante a existência da Lei n. 5.764/1971, que traça a política nacional de cooperativismo e institui o regime jurídico das sociedades cooperativas, foi a partir da Lei n. 8.949/1994, que acrescentou parágrafo único ao artigo 442 da CLT, estabelecendo que: “qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa, não existe vínculo empregatício entre ela e seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviços daquela”, que se propagaram as cooperativas intermediadoras de mão de obra, principalmente no âmbito urbano, cujo único objetivo é a inserção de mão de obra de trabalhadores dentro da estrutura orgânica das empresas tomadoras, com evidente desvirtuamento do cooperativismo.

O cooperativismo autêntico foi inserido no capítulo constitucional pertinente à ordem econômica e financeira (CF/88, art. 174, § 2º), devendo observar os fundamentos e princípios pertinentes a este subsistema social, bem como estar o seu desenvolvimento em consonância com os demais subsistemas do ordenamento jurídico, inclusive com o sistema de relações de trabalho, cuja única hipótese legal de intermediação de mão de obra – que não se confunde com terceirização de serviços – consiste no trabalho temporário (Lei n. 6.019/1974). O parágrafo único do artigo 442 da CLT deve ser interpretado sistematicamente com os demais dispositivos da legislação do trabalho, de forma que, presentes os requisitos da relação de emprego entre o trabalhador (cooperado) e a empresa contratante, impõe-se o contrato-realidade, formando-se o vínculo de emprego diretamente com o tomador de serviços10.

Uma entidade intermediadora de mão de obra, não obstante a sua configuração formal como cooperativa não encontra ressonância em nosso ordenamento jurídico, uma vez que nosso sistema de proteção social prescreve uma rede especial de proteção a todos aqueles submetidos a uma relação de emprego, independentemente da forma de contratação ou da envoltura jurídica conferida à prestação dos respectivos serviços. As máximas de experiência demonstram que as cooperativas intermediadoras de mão de obra não se enquadram no conceito técnico-jurídico de uma entidade cooperativa pela total ausência dos princípios cooperativistas, tratando-se de meras empresas locadoras de mão de obra em proveito dos seus proprietários e/ou dirigentes e das empresas contratantes, com desvirtuamento das relações de emprego que se formam diretamente entre os trabalhadores (cooperados) e as empresas tomadoras.

Nessas entidades, não existe a affectio societatis (Lei n. 5.764/1971, art. 1º), a união de esforços para a obtenção de um objetivo comum, uma vez que os trabalhadores são arregimentados simplesmente em proveito de terceiras empresas, para a substituição de mão de obra inerente às suas atividades. Consequentemente não se observa o princípio basilar da dupla qualidade (Lei n. 5.764/1971, arts. 4º e 7º), segundo o qual o agregado é concomitantemente cooperado e beneficiário da entidade cooperativa, pois os verdadeiros beneficiários são os dirigentes proprietários da entidade, que auferem lucro com a venda da força de trabalho alheio, e as empresas contratantes, que diminuem os custos de produção com a sonegação dos direitos trabalhistas dos empregados contratados como cooperados.

A adesão a essas cooperativas ocorre em razão da necessidade do emprego e não pela presença da affectio societatis. Não se observa adesão voluntária e democrática (Lei n. 5.764/1971, art. 4º, I), porque ou os trabalhadores são arregimentados no ambiente de trabalho do próprio tomador, que os seleciona e encaminha para se filiarem à cooperativa, ou os trabalhadores são direcionados pelas próprias cooperativas para as empresas tomadoras, tornam-se responsáveis pela arregimentação da mão de obra na medida das necessidades do empregador (tomador). Os trabalhadores que se associam a essas entidades não possuem consciência cooperativa, mas o fazem como exigência para a obtenção do emprego tão desejado. É praxe constatar-se que, não raramente, a data de adesão à cooperativa coincide com a da prestação de serviços ao empregador. Irrelevante, nesse sentido, que o trabalhador tenha-se dirigido diretamente à entidade dita cooperativa, sendo primordial a motivação do ato, pois sua adesão voluntária, na realidade, não foi à cooperativa, mas à única via para a obtenção de um posto de trabalho dentro de determinada empresa.

As cooperativas intermediadoras de mão de obra geralmente são multiprofissionais; destituídas de especialização; com a inexistência de proveito comum a ser buscado (Lei n. 5.764/1971, art. 3º), porque não há identidade alguma entre os diversos profissionais e as múltiplas atividades congregadas por essas cooperativas. Os profissionais são contratados de acordo com a demanda das empresas contratantes e inseridos na estrutura orgânica delas. Mesmo em algumas cooperativas aparentemente especializadas, observa-se que a sua constituição não se deveu à obtenção de proveito comum algum, mas simplesmente ao fornecimento de mão de obra para terceiras empresas, com emprego em atividades-fim, essenciais e permanentes destas, em desacordo com a Súmula 331 do colendo TST. Cite-se, por exemplo, uma cooperativa de garçons que presta serviços para restaurantes, buffets, bares, hotéis etc.; uma cooperativa de costureiras que presta serviços para uma grande indústria de confecção, entre outros.

As cooperativas intermediadoras de mão de obra se revelam pela inexistência de autonomia na prestação dos serviços pelos cooperados, que trabalham em regime de subordinação, pessoalidade, alteridade, onerosidade e não eventualidade com o tomador dos serviços, estando o trabalhador inserido na estrutura orgânica da empresa tomadora, na realização de atividades-fim, essenciais e permanentes desta, inclusive como labor conjunto com empregados diretamente contratados pelo tomador e exercentes das mesmas funções.

Essa falta de autonomia advém da própria ausência de especialidade dessas entidades, as quais não prestam atividade especializada alguma, não possuem know-how, condições materiais ou equipamentos próprios, utilizando-se das dependências da empresa contratante para a realização dos serviços. Elas também são simbolizadas pela inexistência de gestão democrática, dado que constituem entidades de cofres cheios e assembleias vazias.

Diferentemente de uma verdadeira cooperativa, as atividades dessas entidades não se enquadram no conceito de terceirização, limitando-se à intermediação de mão de obra. Nesse diapasão, vale ressaltar que a terceirização de serviços (admitida em nosso ordenamento jurídico, nos termos da Súmula 331 do TST) não se confunde com a mera intermediação de mão de obra. Na terceirização predomina o fator prestação de serviços especializados ao passo que na intermediação de mão de obra predomina o elemento trabalho humano como objeto de troca na relação entre empresa tomadora e prestadora. Como assevera Amauri Mascaro Nascimento, “A intermediação é a comercialização, por alguém ou por uma pessoa jurídica, da atividade lucrativa de aproximar o trabalhador de uma fonte de trabalho, o que é condenado pelos princípios internacionais de proteção ao trabalho”11.

A intermediação de mão de obra caracteriza-se, entre outros, pelos seguintes elementos: a organização do trabalho é exercida diretamente pela contratante (gestão do trabalho); a contratada não realiza atividade especializada alguma que justifique a contratação de seus serviços, uma vez que não possui know-how ou técnica específica; a contratada não detém o capital e/ou os meios materiais para a realização dos serviços, realizando-os dentro das dependências da contratante; a contrata realiza atividade-fim, essencial e permanente da empresa contratante, seguindo as ordens e orientações procedimentais desta última; na intermediação há a prevalência do elemento trabalho humano sobre o fator serviços; a contraprestação da contratante é aferida com base nas horas trabalhadas pelos trabalhadores12.

Como elucida Rodrigo Carelli,

Outro elemento forte indicador de intermediação de mão-de-obra é a prevalência do elemento humano na prestação de serviços. No caso concreto, deve verificar se o objeto contratual se satisfaz com o mero emprego de mão-de-obra, ou se há a necessidade de um conhecimento técnico específico e uma estrutura de apoio operacional com a utilização de meios materiais próprios para a execução do contrato. Se, por outro lado, o objeto contratual se encerrar na prestação de trabalho pelos empregados do contratante, estaremos provavelmente frente a uma intermediação de mão-de-obra. Da mesma forma, quando contratualmente se observa que o objeto contratual é, por exemplo, a cessão de 5 (cinco) marceneiros, 3 (três) motoristas, 10 (dez) soldadores, com evidência deverá ser entendida como intermediação de mão-de-obra, ilícita portanto13.

Diversamente de uma verdadeira entidade cooperativa, as cooperativas intermediadoras de mão de obra constituem verdadeiras empresas capitalistas, cujo único empreendimento é a prática do marchandage como fator de lucro para os seus dirigentes/proprietários e para as empresas contratantes, condicionando os trabalhadores a uma dupla exploração (cooperativa e empresa contratante), com a subtração dos seus direitos trabalhistas.

3.4 “Pejotização” de empregados

Como elucida Célia Regina Camachi Stander, o termo “pejotização” constitui um neologismo originado da sigla PJ, a qual é utilizada para designar a expressão pessoa jurídica14. Por meio do processo de pejotização, o empregador exige que o trabalhador constitua uma pessoa jurídica (empresa individual) para a sua admissão ou permanência no emprego, formalizando-se um contrato de natureza comercial ou civil, com a consequente emissão de notas fiscais pelo trabalhador, não obstante a prestação de serviços revelar-se como típica relação empregatícia.

Conquanto a pejotização encontre-se presente em diversos setores econômicos e ramos de atividade, há alguns setores emblemáticos, nos quais esse procedimento fraudulento encontra-se amplamente empregado, como nas áreas hospitalar, de informática, indústria de entretenimento (cinema, teatros, eventos) e de veículos de comunicação. Nas mais diversas empresas de comunicação (escrita, radiofônicas, televisivas e veículos de comunicação virtual), tornou-se a tônica a contratação de jornalistas, apresentadores de TV, artistas etc. por meio de empresas individuais abertas somente para a prestação dos respectivos serviços, que se desenvolvem com pessoalidade, subordinação, onerosidade, habitualidade, alteridade, nos termos dos artigos 2º e 3º da CLT, até porque constituem típicas atividades-fim, essenciais ou permanentes dessas entidades. Trata-se de expediente fraudulento também utilizado para a contratação de empregados ocupantes de altos cargos nas empresas.

Com vistas em conceder ares de legalidade a esta prática, por lobby de entidades interessadas, foi promulgada a Lei n. 11.196/2005, cujo artigo 129 dispõe, in verbis:

Para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, em caráter personalíssimo ou não, com ou sem a designação de quaisquer obrigações a sócios ou empregados da sociedade prestadora de serviços, quando por esta realizada, se sujeita tão-somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas, sem prejuízo da observância do disposto no art. 50 da Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil.

Célia Regina Camachi Stander, em matéria publicada no jornal Folha de São Paulo, em 23.11.2005, noticiou que o dispositivo legal em questão foi, ipsis literis, “obra de um lobby liderado por empresas de comunicação”, com o objetivo de “evitar questionamentos à contratação de profissionais liberais na condição de pessoa jurídica, em especial as chamadas ‘empresas de uma pessoa só’”; na mesma matéria divulgou-se que a Receita Federal se pronunciou contrariamente ao texto legal publicado “por entender que abria caminho para disfarçar vínculos empregatícios e driblar o fisco”15.

Em relação ao referido dispositivo legal são aplicáveis as mesmas observações a respeito do parágrafo único do artigo 442 da CLT, uma vez que, consoante mencionado alhures, o sistema de relações de trabalho brasileiro, por meio do contrato-realidade (CLT, arts. 2º e 3º), concede uma rede de proteção social a todos aqueles que prestem serviços com pessoalidade, habitualidade, continuidade, onerosidade e alteridade, imputando o vínculo de emprego diretamente ao tomador dos serviços, independentemente da configuração jurídica dada à relação ou da forma de contratação do empregado16.

O artigo 129 da Lei n. 11.196/2005 deve ser interpretado sistematicamente com as demais normas do ordenamento jurídico brasileiro, não possuindo o condão de afastar o reconhecimento do vínculo de emprego entre o trabalhador – contratado sob o manto de pessoa jurídica – e o empregador. Ademais, referido preceito legal é flagrantemente inconstitucional por violação do princípio da igualdade insculpido no artigo 5º, I, e no artigo 7º, XXX e XXXII, ambos da CF/88, e este último dispositivo constitucional é peremptório ao prescrever a “proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos”, pois, presentes os requisitos da relação de emprego, é indiferente para a configuração da relação de emprego o exercício ou não de atividade intelectual.

Como assinala Alice Monteiro de Barros,

O fato de o trabalho executado ser intelectual não descaracteriza o liame empregatício, pois ele consistirá sempre na exteriorização e no desenvolvimento da atividade de uma pessoa em favor de outrem. Por outro lado, inexiste incompatibilidade jurídica, tampouco moral, entre o exercício dessa profissão e a condição de empregado. Isso porque a subordinação é jurídica, e não econômica, intelectual ou social; ela traduz critério disciplinador da organização do trabalho, sendo indispensável à produção econômica17.

A aferição legal da condição intelectual do empregado como forma de afastamento do vínculo de emprego, per si, não encontra guarida na nossa ordem constitucional, sendo manifestamente inconstitucional o artigo 129 da Lei n. 11.196/2005, por consistir em preceito discriminatório, violador do artigo 7º, XXXII, da CF/88 e dos demais preceitos consagradores do princípio da igualdade.

A contratação irregular de trabalhadores por intermédio da constituição de pessoa jurídica não se confunde com a terceirização de atividades da empresa principal, nos moldes configurados pela Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho. No processo de pejotização, o empregado encontra-se subordinado ao empregador, prestando serviços com todos os requisitos da relação de emprego; o trabalhador pode até exercer uma atividade específica, mas a sua especialização confunde-se com as atividades finalísticas do empregador, sendo geralmente este o prestador dos respectivos serviços especializados a terceiras empresas (tomadoras)18; embora o trabalhador detenha conhecimentos técnicos, o know-how do desenvolvimento das atividades é determinado pelo empregador, que detém todo o controle da prestação de serviços; a pessoa jurídica não detém o capital e/ou os meios materiais para a realização dos respectivos serviços, que são fornecidos pelo empregador, diretamente ou por meio das empresas tomadoras dos seus serviços; a pessoa jurídica geralmente presta serviços exclusivos para o empregador, com a geração de uma dependência econômica, uma vez que todos os ganhos são aferidos na condição de remuneração do labor, tendo natureza salarial, conquanto o empregado seja obrigado à emissão de notas fiscais; a pessoa jurídica não possui a assunção de riscos econômicos, pois estes estão concentrados na entidade empregadora, sendo esta que atua verdadeiramente no mercado.

3.5 “Socialização” de empregados

Consiste o contrato de sociedade no instituto jurídico pelo qual determinadas pessoas se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de uma atividade econômica e a partilhar entre si os resultados (CC, art. 981). O principal aspecto que o distingue do contrato de trabalho é a affectio societatis, ou seja, o espírito de comunhão e a identidade de interesses entre os sócios, que se configura pelo compartilhamento dos lucros e perdas. Trata-se de um elemento subjetivo ausente no contrato de trabalho, no qual o empregado não assume os riscos do empreendimento, sendo que a sua participação figura no campo da contraprestação e não da associação19. Por outro lado, o elemento subordinação é inerente à relação de emprego, pois exsurge diretamente do poder diretivo do empregador, não se verificando no contrato de sociedade, no qual os poderes decisórios são distribuídos conforme a participação social de cada membro ou de acordo com aquilo voluntariamente por eles deliberado e constante do contrato social da entidade.

Entretanto, dentro da análise da linha evolutiva da fraude, paralelamente ao processo de “pejotização”, vem ganhando cada vez mais foro a denominada “socialização” dos trabalhadores, isto é, a contratação dos trabalhadores como sócios da própria empresa empregadora, não obstante o suposto sócio realizar materialmente suas atividades com todas as características da relação de emprego. Por meio da socialização, o trabalhador é materialmente inserido na estrutura orgânica da empresa com todos os requisitos da relação de emprego e formalmente inserido no contrato social do empreendimento na condição de sócio minoritário.

Como assinala Maurício Godinho Delgado, embora não sejam, em princípio, incompatíveis as figuras de sócio e de empregado, que podem ser sintetizadas numa mesma pessoa física (como nas sociedades anônimas, sociedades limitadas ou comanditas por ações), a dinâmica judicial trabalhista vem registrando o uso do contrato de sociedade como instrumento simulatório, com o intuito de transparecer, formalmente, uma situação fático-jurídica de natureza civil/comercial, conquanto oculte uma efetiva relação empregatícia20.

A socialização de empregados revela um grau de sofisticação da fraude nas relações de trabalho, tendo em vista que o empregador insere materialmente o trabalhador numa relação empregatícia e, concomitantemente, concede-lhe o status de sócio, com a sua inclusão no contrato social da empresa. Esse tipo de fraude geralmente ocorre em atividades exercidas por profissionais qualificados – muitos dos quais outrora eram predominantemente profissionais liberais – (advogados, médicos, arquitetos, veterinários, fisioterapeutas etc.) ou em atividades especializadas (radiologias), cuja formação técnica pressupõe qualificação e cujo grau de conhecimento torna mais plausível a sua inserção fraudulenta como sócio.

A transformação de trabalhadores em sócios geralmente ocorre em entidades empresariais menores (empresas de radiologia, clínicas de fisioterapia, clínicas veterinárias, escritórios de arquitetura etc.), e os proprietários do negócio figuram como sócios majoritários no contrato social, com detenção de quase todas as cotas do capital social, e os demais trabalhadores aparecem como detentores de cotas irrisórias, que lhes retiram qualquer poder decisório ou de participação real na administração da empresa e no direcionamento dos negócios. Os trabalhadores contratados por essa forma dissimulada de sociedade limitam-se à prestação pessoal de serviços sob o controle e direção dos sócios majoritários. Importante assinalar que, ordinariamente, esses sócios majoritários possuem a mesma qualificação profissional dos sócios-trabalhadores (radiologistas, advogados, engenheiros etc.), circunstância que concede uma fictícia presença do affectio societatis, tendo em vista o exercício da mesma atividade profissional entre os empregadores (sócios majoritários) e os empregados (sócios minoritários).

O próprio contrato social dessas entidades demonstra a subserviência dos sócios-trabalhadores aos verdadeiros empregadores – os sócios majoritários –, uma vez que esses estatutos jurídicos são permeados por disposições leoninas, que retiram qualquer possibilidade de ingerência na administração da sociedade ou do exercício do poder decisório pelos sócios-trabalhadores. Entre outros aspectos, essa submissão é demonstrada pela presença de cláusulas que relegam a deliberação final de qualquer medida administrativa ou empresarial à aprovação dos sócios majoritários, como o ingresso de novos sócios, a preferência (e/ou exclusividade) na compra das cotas dos sócios majoritários que queiram retirar-se da sociedade, a tomada de medidas disciplinares e a adoção de sanções contra os demais sócios etc. Tais cláusulas demonstram a pessoalidade e a subordinação da prestação de serviços dos sócios-trabalhadores.

A hierarquia societária presente no contrato social é uma expressão formal da hierarquia subordinativa que envolve a prestação pessoal de serviços dos empregados contratados sob o falso manto de sócios da entidade empresarial:

Vínculo de emprego. Sócio cotista minoritário – Fraude – Não pode ser considerado sócio, mas autêntico empregado, aquele que detém participação mínima no capital da sociedade, especialmente quando não restou demonstrado nos autos qualquer tipo de gestão na atividade empresarial, revelando, ainda, os autos o labor como empregado antes e após o período consignado no contrato social (TRT 3ª Região, Recurso Ordinário, Processo n. 211.2007.001.03.00-7, 1ª Turma, rel. juíza Maria Laura Franco Lima de Faria, DJMG de 20.6.2008).

Em determinadas situações, a presença de um relativo grau de autonomia dos sócios minoritários na execução dos serviços pode capitular uma zona gris, devendo-se analisar os demais aspectos jurídico-materiais do caso concreto para concluir-se sobre a presença do vínculo empregatício, pois não é incomum, mesmo em determinadas relações de emprego, que trabalhadores qualificados exerçam a prestação de serviços com uma contingencial liberdade organizacional, até porque, como assinalado alhures, na maior parte dos casos de contratação irregular de trabalhadores como sócios, aqueles possuem a mesma qualificação profissional destes últimos21. Nessas hipóteses, a mera condição de sócio minoritário no contrato social, com a concentração de todos os poderes decisórios nas pessoas dos sócios majoritários constitui indício da existência de uma subordinação empregatícia, sendo, em determinadas situações, elemento suficiente para o reconhecimento do vínculo de emprego, ou, no mínimo, um fator de inversão do ônus da prova, sujeitando o empregador, in casu, ao encargo de provar a inexistência da relação de emprego vindicada em juízo pelo trabalhador22.

A análise das disposições do contrato social da entidade é fundamental para a caracterização da fraude, uma vez que, como não se trata de uma autêntica relação societária, o real empregador (sócio majoritário), de modo algum, poderá repartir poderes com os trabalhadores ilicitamente constantes do quadro societário, obrigando o trabalhador a aceitar a inserção de cláusulas leoninas de concentração de poderes na pessoa do real empregador e que possibilitem o controle sobre os demais sócios.

Nesse tipo de expediente fraudatório, os sócios-trabalhadores retiram pro labore simplesmente para formalização da fraude, sendo a onerosidade do seu trabalho calculada geralmente pelas horas trabalhadas. Diferentemente dos sócios majoritários, os trabalhadores não auferem parte dos lucros obtidos pela sociedade, sendo limitados ao recebimento de pro labore. Porém, referidas parcelas não se confundem, os lucros são obtidos em razão do capital investido, calculado sobre a cota societária, independentemente do efetivo labor do sócio, ao passo que o pro labore apenas remunera o trabalho realizado. A retirada de lucros, quando existente, restringe-se a valores ínfimos, não refletindo a existência de uma verdadeira sociedade em razão da desigualdade entre as partes, típica da relação de emprego.

A transmutação irregular da relação material de emprego em relação formal de sociedade pode ocorrer em qualquer fase do contrato de trabalho; conquanto geralmente ocorra ab initio da contratação do trabalhador, não têm sido raras as situações em que trabalhadores são inseridos irregularmente no contrato social da empresa como sócio minoritário no decorrer da relação de emprego:

Sócio – Não configuração – Vínculo de emprego – Evidenciado nos autos que o autor, após ter sido contratado como empregado, veio a fazer parte do quadro societário da empresa/reclamada, continuando a exercer a mesma função e em iguais condições, tem-se que sua inclusão como sócio teve por escopo apenas mascarar a continuidade do liame empregatício. Reconhece-se a fraude, nos termos do art. 9º da CLT, assim como a unicidade contratual (TRT 3ª Região, Recurso Ordinário, Processo n. 00856.2006.067.03.00-0, rel. juíza Maria Cristina Diniz Caixeta, DJMG de 1º.9.2007).

A condição de sócio, como excludente da relação empregatícia, requer prova contundente de que o empregado, por livre iniciativa, inseriu-se na composição societária da entidade empresarial, com a participação efetiva no capital social e na gestão do negócio, na assunção dos riscos do empreendimento e no usufruto dos lucros e rendimentos, independentemente do labor por ele realizado.

 

4 A transcendência da fraude: danos sociais e concorrência desleal

 

Assim como a própria natureza da relação de emprego, a fraude na seara do direito do trabalho possui transcendência social, econômica e política, pois seus efeitos maléficos repercutem sobre diversos aspectos da sociedade. Ao se contratar empregados por meio de mecanismos jurídicos fraudulentos, além da sonegação de direitos sociais dos trabalhadores, referida prática reflete-se por toda a ordem jurídica social, pois, por meio dela, reduz-se a capacidade financeira do sistema de seguridade social, diminuem-se os recolhimentos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, impossibilitando a utilização dos recursos em obras de habitação e de infraestrutura, precarizam-se as relações de trabalho com prejuízos ao meio ambiente de trabalho e, consequentemente, à integridade física e à saúde dos trabalhadores, com aumentos de gastos estatais nesse setor; acentuam-se as desigualdades sociais e os problemas delas decorrentes; assoberba-se o Judiciário trabalhista com uma pletora de demandas judiciais. Enfim, referidas condutas causam intensa perturbação ao corpo social, suscitando uma reparação pelos danos sociais e morais coletivos, nos termos das Leis n. 7.347/1985 e 8.078/1990, cuja responsabilização já está amplamente consolidada na doutrina e na jurisprudência23.

Além da perturbação da ordem social, as práticas fraudulentas violam completamente os princípios e fundamentos da ordem econômica prejudicando não somente os trabalhadores explorados, mas também as demais empresas que observam a legislação trabalhista. Tratam-se igualmente de práticas de concorrência desleal exercidas pelas empresas que utilizam subterfúgios jurídicos para a redução do valor trabalho e fomentadas por entidades que fornecem o instrumental fraudatório para terceiras empresas, como as cooperativas intermedidoras de mão de obra. A condenação pelos danos sociais e morais coletivos possui natureza reparatória, repressiva e pedagógica, uma vez que, além de obstar a reiteração da prática fraudatória, preserva a prática da concorrência desleal nas entidades econômicas que observam a legislação do trabalho, bem como servem de instrumento de desmotivação da fraude.

O próprio legislador constituinte tratou de proscrever a prática da concorrência desleal, em seu artigo 173, §§ 4º e 5º, CF/8824. A Lei n. 8.884/1994, que dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, é peremptória em relação à responsabilidade das pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado, inclusive associações pelos atos de concorrência desleal25.

 

Referências

Barros, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2005.

Carelli, Rodrigo de Lacerda. Cooperativas de mão-de-obra: manual contra a fraude. São Paulo: LTr, 2002.

Delgado, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 6. ed. São Paulo, LTr, 2007.

Lopez, Manuel Carlos Palomeque. Direito do trabalho e ideologia. Tradução António Moreira. Coimbra: Almedina, 2001.

Nascimento, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 23. ed. São Paulo: LTr, 2008.

Souto Maior, Jorge Luiz. Relação de emprego e relação de trabalho. São Paulo: LTr, 2007.

Stander, Célia Regina Camachi. Fraude por meio de cooperativa e de constituição de pessoa jurídica por trabalhadores. Revista da Escola da Magistratura do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, São Paulo, ano 1, n. 1, p. 105-111, set. 2006.

Supiot, Alain. Critique du droit du travail. Quadrige/PUF, 1994.

Süssekind, Arnaldo. Direito constitucional do trabalho. Rio de Janeiro: Forense, 1999.

______ et alli. Instituições de direito do trabalho. 22. ed. 2005. 1v.

 

 

1 Lopez, 2001, p. 46-47.

2 Ibidem, p. 21.

3 Supiot, 1994, p. 44 e ss.

4 Tornou-se comum em diversos estudos doutrinários classificação tipológica dos direitos humanos em direitos de liberdade (direitos de primeira dimensão); direitos de igualdade (direitos de segunda dimensão) e direitos de solidariedade – ou fraternidade – (direitos de terceira dimensão), havendo menções atuais aos direitos de fraternidade como direitos de quarta dimensão.

5 Lopez, 2001, p. 33.

6 Nesse sentido, assinala Jorge Luiz Souto Maior: “O surgimento do direito do trabalho, ademais, importante dizer, não foi uma conseqüência natural do modelo. Fora, sobretudo, uma reação aos movimentos sociais de cunho revolucionário, que baseados em teorias de cunho marxista, buscaram pela tomada de consciência de classe proletária, a superação da sociedade de classes, com a conseqüente eliminação da própria classe burguesa dominante. [...] O Direito do Trabalho constituiu-se, portanto, uma forma de proteção e ampliação dos direitos da classe trabalhadora, servindo, ao mesmo tempo, à manutenção do próprio sistema. [...] O direito do trabalho, base dos direitos sociais, acabou representando a imposição de limites necessários ao capitalismo” (Souto Maior, 2007, p. 24).

7 Süssekind, 2005, p. 226.

8 O Código Civil de 1916 (Lei n. 3.071/1916) disciplinava expressamente a parceria agrícola (arts. 1.410 a 1.415) e a parceria pecuária (arts. 1.416 a 1.423), mas o atual Código Civil (Lei n. 10.406/2002) não possui regulamentação expressa dessas espécies contratuais, elencando apenas hipóteses de contratos inominados.

9 A Lei n. 11.788/2008 previu expressamente a responsabilidade dos agentes de integração nessas hipóteses: “Art. 6º [...] § 3º Os agentes de integração serão responsabilizados civilmente se indicarem estagiários para a realização de atividades não compatíveis com a programação curricular estabelecida para cada curso, assim como estagiários matriculados em cursos ou instituições para as quais não há previsão de estágio curricular”. Além da responsabilização civil, o agente de integração responde solidariamente pelos direitos trabalhistas nas hipóteses de decretação da fraude e reconhecimento do vínculo de emprego entre o trabalhador (estudante) e a empresa concedente.

10 Como assinalou Arnaldo Süssekind, “Esse acréscimo (do parágrafo único do art. 442 da CLT), porque óbvio e desnecessário, gerou a falsa impressão e o conseqüente abuso no sentido de que os cooperativados podem prestar serviços às empresas contratantes, sob a supervisão ou direção destas, sem a caracterização da relação de emprego. Na verdade, porém, somente não se forma o vínculo empregatício com o tomador de serviços quando os cooperados trabalham na cooperativa e para a cooperativa de que são parte, como seus associados. O tomador dos serviços da cooperativa deve estabelecer uma relação jurídica e de fato com a sociedade e não uma relação fática, com efeitos jurídicos, com os cooperativados. [...] Destarte, as cooperativas de trabalho permanecem fora do campo de incidência do art. 7º da Constituição, sempre que operarem de conformidade com a sua estruturação jurídica e finalidade social. Inversamente, quando os cooperativados trabalharem, na realidade, como empregados do tomador de serviços da cooperativa, configurada está a relação de emprego entre eles e a empresa contratante. Aplicar-se-ão no caso o princípio da primazia da realidade consagrado no art. 9º da CLT, tal como referido no Enunciado TST n. 331. Nesse sentido prevalecem a doutrina e a jurisprudência” (Süssekind, 1999, p. 87-88).

11 Nascimento, 2008, p. 627.

12 Carelli, 2002, p. 39-40.

13 Ibidem, p. 42.

14 Stander, 2006, p. 105.

15 Ibidem, p. 106.

16Fraude. PJ. Serviços pessoais e subordinados, sob a roupagem de pessoa jurídica. Vínculo empregatício reconhecido. Restou evidenciado nos autos que, para as atividades nas quais atuou o reclamante, necessitava a reclamada de um empregado típico, ou seja, não eventual, subordinado a horário, e que prestasse serviços habituais e pessoais. E foi isto exatamente o que fez a ré: contratou um autêntico empregado, ainda que sob a roupagem de ‘PJ’ (pessoa jurídica). Ocorre que o pacto de trabalho é um contrato realidade, configurando-se do desdobramento da realidade fática que envolve toda a prestação de serviços, independentemente do rótulo contratual formal. Prestigia-se assim, a decisão de origem que, em face da presença dos elementos tipificadores dos artigos 2º e 3º da CLT, reconheceu o vínculo empregatício. Recurso patronal a que se nega provimento” (TRT 2ª Região, Recurso Ordinário, Processo n. 01588.2006.070.02.00.2, 4ª Turma, rel. juiz Ricardo Artur Costa e Trigueiros, j. em 12.2.2008, publicado em 22.2.2008). “Vínculo de emprego. Atuação de empregado por intermédio de pessoa jurídica. Fraude caracterizada. Num contexto em que o empregado atua em serviço inerente à atividade normal da contratante, com pessoalidade, subordinação, não eventualidade, ainda que por intermédio de ‘pessoa jurídica’ – condição imposta para a continuidade da prestação do serviço – fica estampada a fraude. Incidência da regra de proteção contida no art. 9º do mesmo Estatuto. Vínculo de emprego configurado. Recurso a que se dá provimento” (TRT 2ª Região, Recurso Ordinário, Processo n. 02014.2005.067.02.00.8, Acórdão 20080868538, 10ª Turma, rel. juíza Marta Casadei Mornezzo, j. em 30.9.2008, publicado em 14.10.2008).

17 Barros, 2005, p. 256.

18Vínculo empregatício. Corretor de seguros. Fraude aos preceitos trabalhistas. Imperioso o reconhecimento de vínculo empregatício por fraude aos preceitos trabalhistas quando há constatação cabal de que a Empresa Corretora de Seguros não possui vendedores registrados para a comercialização de produtos essenciais à sua atividade-fim, quando há obrigatoriedade de abertura de pessoa jurídica pelo corretor depois do início da prestação de serviço, e quando há prova de que os corretores utilizavam-se de toda a estrutura do banco para a consecução da sua atividade, situações que afastam o propalado trabalho autônomo, que é aquele realizado por conta própria, valendo-se o prestador da sua própria organização de trabalho, independentemente daqueles para os quais presta labor, e estranho ao risco econômico da empresa tomadora de serviços” (TRT 2ª Região, Recurso Ordinário, Processo n. 01829.2006.089.02.00.8, Acórdão n. 20080284102, j. em 3.4.2008, publicado em 22.4.2008).

19 Barros, 2005, p. 484.

20 Delgado, 2007, p. 361-363.

21Relação de emprego – Sócio minoritário – Confissão do preposto acerca da ausência da integralização das cotas – Participação ínfima – Fraude – A distinção entre a figura do sócio e do empregado nem sempre é tarefa fácil ao julgador, havendo casos que se situam na chamada ‘zona gris’. Assim, cabe perquirir acerca dos aspectos fáticos que tornam peculiar o caso concreto, extraindo-se a conclusão que mais adequadamente o enquadre em face das normas legais. No caso em exame, vários são os elementos que levam ao convencimento de que a qualidade de sócio do reclamante não passava de máscara para o vínculo empregatício, que já existia previamente e permaneceu, na realidade, mesmo com a dispensa perpetrada pela reclamada. O reclamante detinha apenas 1% das cotas de uma sociedade componente do grupo econômico, em relação às quais não teve qualquer dispêndio financeiro, segundo o depoimento do próprio preposto da reclamada. Portanto, não arcava com os riscos do empreendimento econômico, não se equiparando ao outro sócio, a quem era atribuída a gerência da sociedade, revelando a inexistência da affectio societatis. O fato de deter certo grau de autonomia, com poderes para realizar negócios em nome da sociedade, não é causa excludente da relação de emprego, pois a legislação prevê a hipótese do empregado com poderes de mando e gestão (art. 62, II, da CLT). Enfim, resta configurada a fraude à legislação trabalhista (art. 9º da CLT), ensejando o reconhecimento da continuidade da relação empregatícia por todo o período” (TRT 3ª Região, Recurso Ordinário, Processo n. 00225.2003.017.03.00-2, 3ª Turma, rel. juíza Maria Cristina Diniz Caixeta, DJMG de 7.2.2004).

22 Nesse aspecto, não coadunamos do entendimento esposado por Maurício Godinho Delgado, segundo o qual, ainda que a parte contrária admita a prestação de serviços, retorna ao autor o ônus de desconstituir a validade dos instrumentos formais elaborados conforme as regras da lei civil ou comercial, nos termos do artigo 389, inciso I, do CPC (Delgado, 2007, p. 364); o direito do trabalho é regido pelo princípio da realidade, não tendo os documentos formais a mesma força probatória do direito civil, uma vez que o ramo juslaboral não se lastreia no dogma da autonomia da vontade, em razão do estado de vulnerabilidade jurídica do trabalhador, que o submete à imposição de situações prejudiciais e obstativas do usufruto de seus direitos sociais fundamentais, devendo-se aplicar a regra específica do artigo 9º da CLT e a carga do ônus da prova condizente com os princípios do direito do trabalho, que a delega para o empregador na hipótese da admissão da prestação de serviços, ainda que emoldurada por outra roupagem jurídica. Por outro lado, havendo indícios da subordinação e da relação empregatícia nas disposições formais do contrato social em relação a determinados sócios, presume-se a relação de emprego, devendo ao empregador o ônus de desconstituir a prova indiciária.

23 Dano moral coletivo. Possibilidade. Uma vez configurado que a ré violou direitos transindividuais de ordem coletiva, infringindo normas de ordem pública que regem a saúde, segurança, higiene e meio ambiente do trabalho e do trabalhador, é devida a indenização por dano moral coletivo, pois tal atitude da ré abala o sentimento de dignidade, falta de apreço e consideração, tendo reflexos na coletividade e causando grandes prejuízos à sociedade” (TRT 8ª Região, Recurso Ordinário n. 5309/2002, rel. juiz Luís José de Jesus Ribeiro, j. em 17.12.2002, DOEPA de 19.12.2002). “agravo de instrumento. Recurso de revista. Ação civil pública. Dano moral coletivo. Reparação. Possibilidade. Ato atentatório à dignidade dos trabalhadores rurais da região. Não resta dúvida quanto à proteção que deve ser garantida aos interesses transindividuais, o que encontra-se expressamente delimitado no objetivo da ação civil pública, que busca garantir à sociedade o bem jurídico que deve ser tutelado. Trata-se de um direito coletivo, transindividual, de natureza indivisível, cujos titulares são os trabalhadores rurais da região de Minas Gerais ligados entre si com os recorrentes por uma relação jurídica base, ou seja, o dispêndio da força de trabalho em condições que aviltam a honra e a dignidade e na propriedade dos recorridos. Verificado o dano à coletividade, que tem a dignidade e a honra abalada em face do ato infrator, cabe a reparação, cujo dever é do causador do dano. O fato de ter sido constatada a melhoria da condição dos trabalhadores em nada altera o decidido, porque ao inverso da tutela inibitória que visa coibir a prática de atos futuros a indenização por danos morais visa reparar lesão ocorrida no passado, e que, de tão grave, ainda repercute no seio da coletividade. Incólumes os dispositivos de lei apontados como violados e inespecíficos os arestos é de se negar provimento ao agravo de instrumento” (TST, AIRR n. 561/2004-096-03-40, 6ª Turma, rel. min. Aloysio Corrêa da Veiga, DJ de 19.10.2007).

24 “§ 4º A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros”.

“§ 5º A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular”.

25 “Art. 15. Esta Lei aplica-se às pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado, bem como quaisquer associações de entidades ou pessoas, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente, com ou sem personalidade jurídica, mesmo que exerçam atividade sob regime de monopólio legal”.

“Art. 16. As diversas formas de infração da ordem econômica implicam a responsabilidade da empresa e a responsabilidade individual de seus dirigentes ou administradores, solidariamente”.

“Art. 18. A personalidade jurídica do responsável por infração da ordem econômica poderá ser desconsiderada quando houver da parte deste abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração”.

 

 

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