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A prática médica orientada para o ensino-aprendizagem e a dignidade humana: notas sobre um caso

Autor: Anelise Becker - Procuradora da República, Doutora em Ciências Jurídico-Filosóficas pela Universidade de Coimbra e Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Sumário: 1 Introdução. 2 O paciente como "eu" incorporado e as implicações ético-jurídicas da vulnerabilidade que lhe é ínsita na relação entre os três vetores em causa. 3 O desequilíbrio impugnado. 4 O equilíbrio requerido. 5 Conclusão.

1 Introdução

 

Embora não se venha a tratar, aqui, propriamente de experimentação científica com seres humanos, mas de atividades médicas voltadas ao ensino-aprendizagem, vale relativamente a estas a observação que faz Hans Jonas ao introduzir aquele tema: enquanto a experimentação psicológica é a mais dúbia e a biológica, a mais perigosa, a médica é seguramente a mais legítima, desfrutando de maior favor, e, por isso, nela é mais dura a tarefa de ajuizar as teses em conflito1.

Funda-se a presente reflexão em caso concreto, objeto de Ação Civil Pública2 movida pelo Ministério Público Federal contra Instituição Federal de Ensino Superior (Ifes), na qual foi postulada determinação, à ré, de que se abstenha de impor, em caráter obrigatório, a presença e o acompanhamento, por parte de seus estudantes, aos cidadãos que venham a se utilizar dos serviços prestados no Hospital Universitário por ela mantido, sempre que tal circunstância venha, a juízo do paciente, a violar a sua intimidade.

Referida Ação assenta em episódio paradigmático, no qual uma gestante de alto risco, porquanto possuidora de idade avançada, pressão elevada, obesidade, bem como de histórico de pré-eclampsia, trombose e abortamento espontâneo anterior, ao procurar Hospital Universitário mantido pela Ifes ré, teve negada a realização do exame pré-natal de alto risco, haja vista que, constrangida, não consentiu fosse efetuado o respectivo procedimento ginecológico na presença de diversos estudantes.

Questionada a respeito, a direção do Hospital referiu que, tratando-se de estabelecimento de ensino, todos os procedimentos médicos ali realizados preveem, como condição implícita, o acompanhamento dos pacientes por parte de estudantes matriculados junto aos seus cursos de Medicina e Enfermagem. Partindo do pressuposto de que os hospitais de ensino são centros de formação de recursos humanos, possuindo programas de residência médica em áreas diversas, cujos integrantes desempenham atividades médicas sob a forma de treinamento supervisionado, concluiu pela evidente indissociabilidade entre o ensino e a assistência.

O juízo do feito indeferiu o pedido liminar, sob o argumento de que o atendimento médico em Hospital Universitário, feito com a presença de estudantes de graduação ou de médicos residentes, sob a supervisão de professores e preceptores, não viola o direito à intimidade dos pacientes, sobretudo porque, em seu ver, o atendimento é feito sob o manto protetivo do sigilo profissional, preceito ético cuja observância incumbe também aos estudantes da área médica.

As considerações que seguem reproduzem, em parte, os argumentos adotados nas razões3 do Agravo de Instrumento interposto contra a referida decisão, ao qual foi negado provimento pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região4, substancialmente pelas mesmas razões adotadas pelo juízo a quo5.

 

2 O paciente como "eu" incorporado e as implicações ético-jurídicas da vulnerabilidade que lhe é ínsita na relação entre os três vetores em causa

Ensino, saúde e dignidade humana. Três vetores cujas possíveis tensões em sua interação suscitam indagações não apenas de ordem ética, mas igualmente jurídica, quando estiver em causa, relativamente a uma situação concreta, uma relação humana na qual releve explicitamente a tensão dialética entre a autonomia ou liberdade pessoal e a vinculação ou integração comunitária, a convocar a afirmação ética da pessoa, seja no reconhecimento daquela autonomia, a exigir uma garantia, seja de sua correlativa responsabilidade, a impor uma obrigação normativa6.

Na solução jurídica a ser oferecida ao caso relatado, trata-se, pois, de ponderar os termos em causa naquela tensão dialética, de forma que não se veja qualquer deles, sem mais, de todo eliminado. Reequilíbrio da sua relação, desequilibrada pela priorização inflexível do acompanhamento por estudantes, de todos os atos médicos realizados no âmbito do Hospital Universitário, mesmo em casos em que tal acompanhamento, por sua imposição sem limites ou exceções, venha a se concretizar em franco desrespeito à intimidade dos pacientes que, a fim de terem acesso aos serviços de saúde lá oferecidos, veem-se coagidos a dispor de sua dignidade em irrestrita exposição de seu corpo a grupos de estudantes.

O direito à intimidade é direito fundamental na ética dos cuidados e se refere fundamentalmente ao direito que tem a pessoa de guardar seu mistério e seu segredo, de guardá-lo da tentação dos demais, das invasões no mundo pessoal. Essa é uma exigência da convivência. A intimidade é uma estrutura existencial da pessoa em que entram em relação duas dimensões fundamentais da condição humana: a interioridade e a interpersonalidade. Na intimidade não há lugar para o artificial nem para a desconfiança ou para a atitude suspeitosa que mantém as pessoas distantes umas das outras e que obriga a fechar-se ao outro. Existe uma atmosfera de confiança, dentro da qual o "eu" e o "tu", rodeados de intimidade, confiam-se mutuamente seus segredos pessoais e sabem-nos seguros. À intimidade pessoal acompanha sempre o sentimento de pudor. Este é um sentimento de proteção do indivíduo e de seu valor pessoal contra a esfera do geral. O respeito e o tato são elementos necessários para a intimidade pessoal que, estando submetida a muitos riscos no mundo atual, é uma intimidade vulnerável7.

No exercício do cuidar, o respeito à intimidade do outro é fundamental e isso implica um tipo de interação com a pessoa do enfermo em que a familiaridade e a confidencialidade se convertam em categorias básicas. No exercício do cuidar, a dimensão interior da pessoa não é irrelevante, mas fundamental e isso implica o desenvolvimento da familiaridade e da confidencialidade. Nesse sentido, a relação entre a pessoa do cuidador – seja ele o médico ou o enfermeiro, seja ele o aspirante a tanto – e a pessoa doente não pode ser compreendida exclusivamente mediante categorias contratuais, pois a familiaridade e a confidencialidade transcendem o marco do contrato social8.

Recorrendo à lição de Paul Ricoeur, pode-se afirmar que o lugar do nascimento da medicina é o sofrimento humano, consistindo seu ato primeiro em socorrer a pessoa doente. O primeiro móbil do ensino, contudo, não é aliviar o sofrimento, mas sim o aprendizado do aluno. Do consequente perigo de ser o móbil do ensino médico não a solicitude, mas a preparação profissional, assoma a possibilidade de que o centro de gravidade se desloque – como de fato veio a se deslocar no caso em tela – do tratamento da pessoa para o domínio do objeto didático9.

A Ação Civil Pública em comento, partindo do pressuposto de que o ensino universitário não é indissociável apenas da pesquisa e extensão (artigo 207 da Constituição da República), mas, sobretudo, de uma prática de pesquisa e de extensão respeitosas da dignidade humana (artigo 1º, inciso III, também da Constituição), visa, por conseguinte, restaurar o equilíbrio que deve presidir a relação entre os três termos em causa: ensino, saúde e dignidade humana.

A Ação não visa, pois, privar os alunos dos cursos de Medicina e de Enfermagem de serem inseridos "precocemente em atividades práticas relevantes para a sua futura vida profissional", conforme preconiza o artigo 12, inciso V, da Resolução CNE/CES n. 04/2001. Longe disso: trata-se de fazer com que tal inserção se dê nos exatos limites ético-jurídicos e, pois, de modo a assegurar o pleno respeito à dignidade das pessoas que, por meio do Sistema Único de Saúde – SUS, fazem uso dos serviços prestados no âmbito de hospitais-escola, consoante, aliás, igualmente prescrevem – como não poderiam licitamente deixar de fazê-lo – a Resolução CNE/CES n. 03/2001, em seus artigos 3º, 4º, 5º, inciso XXVII, 6º, incisos II e III, alínea b, e 14, inciso VIII, e a Resolução CNE/CES n. 04/2001, em seus artigos 3º, 4º, inciso I, 6º, inciso II, e 12, inciso III, os quais reiteradamente vinculam a formação profissional em Enfermagem e em Medicina à observância de princípios éticos, mediante a expressa inclusão de suas dimensões éticas e humanísticas. Dignidade humana que, não custa destacar, constitui um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (artigo 1º da Constituição).

Trata-se, pois, de avançar de uma visão manipuladora-instrumental do ser humano que se dirige aos serviços de saúde oferecidos nos hospitais-escola para uma percepção mais ampla e sensível da realidade, dirigida a exigir que se garanta a atenção a todos os fatores envolvidos.

Assim, se incumbe à Universidade promover o processo de ensino-aprendizagem dos estudantes também na sua vertente prática, oferecendo-lhes situações que permitam o contato efetivo com diferentes procedimentos médicos, de modo a formá-los para o futuro desempenho da profissão, tal processo deve-se dar obrigatoriamente de forma respeitosa à dignidade dos seres humanos envolvidos em tais atividades, até mesmo para que venha a formar médicos e enfermeiros que humanamente mereçam tal designação.

O ser humano que se dirige a um serviço de saúde – quem quer que seja ele e qualquer que seja o serviço de saúde em causa –, a este não se dirige como se fora um mero corpo, biológico, como tal oferecido à manipulação. Biologismo que, reduzindo a vida humana a uma sua exposição à manipulabilidade como se fora mero "corpo-objeto", é atentatório tanto à dignidade como à intimidade propriamente humanas.

Lembra-nos o mito de Antígona, tragédia polarizada nos deveres fúnebres por ela prestados a seu irmão, que mesmo o corpo humano sem vida merece respeito. E, se ainda hoje a conduta de vilipêndio a cadáver é penalmente típica (artigo 212 do Código Penal), o que se pode dizer acerca do corpo humano vivo?

Sendo o ser humano uma existência incorporada, o corpo humano possui uma integridade e uma dignidade que não autorizam seja utilizado única e exclusivamente como instrumento a serviço de outro fim, por maior que seja a relevância social atribuída a tal fim. Uma integridade e dignidade que não autorizam, por conseguinte, que seja o corpo humano utilizado como mero instrumento, ainda que para fins educacionais. Integridade e dignidade cuja violação pelo uso meramente instrumental não pode ser compensada pelo tratamento de saúde que tal uso lhe venha a proporcionar, pois o "tratamento de saúde" que não perceba que a relação entre o "eu" e a corporeidade não pode ser compreendida desde um esquema sujeito-objeto – pois, na inexistência de um "eu" desenraizado do corpo, o corpo humano jamais pode ser reduzido única e exclusivamente a objeto – será, por mais biologicamente benéfico que acaso se revele, ainda assim, atentatório à dignidade humana10.

Assim, se o imperativo prático categórico kantiano manda que cada ser racional jamais trate a si mesmo ou aos outros simplesmente como meios para o uso arbitrário desta ou daquela vontade, mas sempre simultaneamente como fins em si, conferindo ao ser humano racional um valor absoluto, incondicional, que só a palavra respeito pode exprimir convenientemente11, nem por isso é nossa racionalidade independente de nossa animalidade vulnerável, de modo que nossa dignidade, humana, é a dignidade própria de um ser que não a poderia possuir se, como tal, não fosse incorporado e, assim, mortal e vulnerável12.

Por isso, consoante bem anota Francesc Torralba i Roselló, a afirmação da dignidade pessoal do paciente é fundamental e isso implica uma práxis em que o respeito à sua intimidade, a atenção à sua vulnerabilidade e a proteção de sua liberdade são básicos. No direito dos enfermos, o termo dignidade resulta ser o termo-chave em torno do qual gira todo o articulado. O enfermo é, antes de tudo, pessoa e, como pessoa, tem uma dignidade que requer um trato ético e um tipo de relação qualitativa que se concretiza em uma série de modos de proceder. A ética assistencial se fundamenta, em último termo, na dignidade pessoal: o ser humano não pode ser tratado de qualquer modo, porque tem dignidade. O enfermo merece um trato personalizado e justo porque tem uma dignidade instrínseca: respeito e dignidade são, por isso, conceitos mutuamente correlacionados13.

A corporeidade humana é unitária e expressiva, mas é instrinsecamente vulnerável, porque tem, como toda a estrutura pessoal, um caráter indigente: sendo o corpo humano uma estrutura precária e frágil, a experiência da corporeidade se relaciona diretamente com a da indigência, vulnerabilidade corporal frente à qual se requer, desde a perspectiva ética, um cuidado solícito e atento14.

O sentimento de abandono, de desenraizamento e de intempérie é particularmente profundo na pessoa enferma e a necessidade que esta, por isso, tem de morada e de lar é muito intensa. Cuidar, nesse sentido, é construir uma morada, ou seja, um espaço pessoal e próprio, um lugar onde o mundo afetivo da pessoa enferma possa aflorar15. Um tal cuidado, contudo, resulta inviável naqueles casos em que, emergindo naturalmente o sentimento de pudor com maior intensidade, tenha o atendimento médico em vista não o enfermo como a pessoa que é, mas como mero objeto instrumentalizado, exposto à manipulação didática.

Observa Karl Jaspers que a concepção básica do ser-médico dos últimos séculos tem sido a de que, sendo a doença um processo natural que ataca o corpo, o médico, em união com o paciente, presta-lhe ajuda apoiado num poder cientificamente fundado. Esse tratamento médico assenta em dois pilares: por um lado, no do conhecimento científico-natural e do poder técnico e, por outro, no do ethos da humanidade: o médico nunca deve esquecer a dignidade do doente e o valor insubstituível de cada ser humano individual16.

E, se o conhecimento científico-natural e o poder técnico se transmitem pela doutrina, a humanidade médica, diversamente, é transmitida pela própria personalidade médica. Ela se desdobra de novo em cada médico, em cada serviço médico, por meio da realidade do próprio ser humano médico. Para ela vale a regra que o grande médico inglês, Sydenham, formulou no século XVII: "Ninguém foi por mim tratado diferentemente do que eu gostaria de ser, caso apanhasse a mesma doença"17.

Para Karl Jaspers, tais formulações, postas em causa pelos novos desenvolvimentos e, sobretudo, pela massificação do atendimento médico, passam por antiquadas sempre que se abandona a ideia de humanidade ao transformar o homem num qualquer material de exame e modelação18. O fito do médico, contudo, não é a ciência (nem o ensino, acrescentamos), mas a ajuda ao doente. À medida que for agarrado pela pesquisa como tal (ou pelo ensino), cessa de ser médico19.

O mesmo entendimento vem expresso por Hans Jonas, para quem o doente goza de um privilégio fundamental: no decurso do tratamento, o médico tem obrigações para com ele e para com mais ninguém. O médico, durante o tratamento, não é o representante da sociedade, nem dos interesses da ciência (ou da academia) médica, nem dos da família do paciente, nem dos seus copadecentes ou futuros padecentes da mesma doença. Só o paciente é considerado quando se encontra sob o cuidado do médico; este é obrigado a não deixar nenhum outro interesse interferir no do paciente em ser curado20.

 

3 O desequilíbrio impugnado

 

Esse, pois, é o complexo pano de fundo que subjaz ao problema em pauta. Um problema cuja justiça da solução exige, por conseguinte, não apenas a compreensão dessa complexidade, como sobretudo a adequada ponderação dos vetores em tensão.

A justiça de tal solução é incompatível tanto com a superficialidade apressada de uma qualquer ponderação quanto com a arbitrária seleção de um único aspecto do juízo médico para com ele, desarticulado do conjunto contextual com que integra aquela complexidade, pretender ver satisfeitos em sua integralidade os valores em tensão.

Esse é o ponto no qual reside o fundamental equívoco de que padecem as decisões em comento, na medida em que, sustentando inexistir violação do direito de intimidade em face do dever dos médicos (estendido aos estudantes) em resguardar as informações a que tiverem acesso no desempenho de suas funções, tratam a questão como se fosse um mero problema de segredo médico stricto sensu, quando em verdade o que se encontra em causa é algo muito mais profundo.

Equívoco tanto mais preocupante na medida em que revela a adoção de perspectiva macroscópica cuja tendencial funcionalização do indivíduo a desígnios heterônomos da sociedade não exclui a possibilidade do domínio e da objetivante fruição, incompatível com a dignidade da pessoa, que os outros possam exercer sobre esse indivíduo, confinado que resta, assim, ao plano estritamente antropológico, porquanto, na ausência de reconhecimento de sua dignidade de fim em si, não tem como alçar a condição, axiológica, de pessoa21.

Vale invocar, nesse passo, novamente a lição de Paul Ricoeur e, com ela, os diversos níveis de juízo que ele entende relacionados à orientação terapêutica (clínica) da bioética22.

O primeiro nível, prudencial, identifica-se com a faculdade de julgar, aplicada a situações singulares, em que um paciente individual está situado numa relação interpessoal com um médico individual, a qual expressa uma sabedoria prática, resultante do aprendizado e do exercício23.

Considerando o pacto de confidencialidade que compromete mutuamente um paciente com um médico (pacto de tratamento baseado na confiança) como o núcleo ético desse encontro singular, Ricoeur considera como primeiro preceito da sabedoria prática exercida nesse plano o reconhecimento do caráter singular da situação de tratamento e, antes disso, da situação do próprio paciente, a implicar a unicidade e, pois, insubstituibilidade de uma pessoa por outra. Seu segundo preceito ressalta a indivisibilidade dessa mesma pessoa, porquanto o que se trata não são órgãos múltiplos, mas um doente, integral, nem fragmentável nem divisível em aspectos biológicos, psicológicos e sociais. Seu terceiro preceito soma, às ideias de insubstituibilidade e de indivisibilidade, a ideia, reflexiva, de autoestima, a qual, dizendo mais do que o respeito devido ao outro, tem em vista equilibrar o caráter unilateral do respeito, que vai deste ao outro, mediante o reconhecimento, pelo sujeito, de seu próprio valor. Na autoestima, a pessoa aprova a si mesma por existir e exprime a necessidade de se saber aprovada pelos outros por existir. A autoestima introduz, assim, um toque de amor-próprio, de orgulho pessoal na própria relação: é o fundo ético daquilo que se chama comumente de dignidade24.

Anota Ricoeur, a seguir, que, enquanto o pacto de confiança e a promessa de honrar esse pacto constituem o núcleo ético da relação que liga um médico a um paciente, o momento deontológico do juízo médico é constituído pela assunção, por esse pacto de confiança, do caráter universal de norma: esta liga todo médico a todo paciente e, pois, qualquer um que entre numa relação de tratamento. Norma que se reveste do caráter de interdição, a de violar o sigilo médico, que exclui terceiros e, por isso, pode ser “oposto” a estes25.

O juízo deontológico possui, ainda, uma função de conexão, não apenas no sentido de que a norma que rege o sigilo médico deve estar correlacionada com as outras normas jurídicas que regem o exercício da medicina, mas também no sentido de desempenhar o papel de ponte entre os níveis deontológico e prudencial do juízo médico e de sua ética26.

O juízo deontológico tem, ademais, a função de arbitrar uma multiplicidade de conflitos que surgem nas fronteiras da prática médica, basicamente em duas frentes: a primeira, aquela em que a ética médica orientada para a clínica se encontra com a ética médica orientada para a pesquisa – ou para o ensino, como no caso de que aqui se trata –, e a segunda, que segue a linha incerta de compartilhamento entre a preocupação com o bem-estar pessoal do paciente e a consideração de saúde pública27.

Trata-se aqui, pois, de arbitrar um conflito surgido nas fronteiras entre a prática médica orientada para a clínica e aquela orientada para o ensino-aprendizagem. Arbitramento este que por certo não se vê satisfeito, na justiça devida à pessoa considerada na inteireza de sua dignidade, pelo mero resguardo das informações obtidas pelo profissional durante o ato médico, porquanto o que está em causa não é a oponibilidade de um sigilo a um terceiro qualquer, mas a própria relação fundamental considerada: aquela que se estabelece entre médico e paciente e cuja essência reside na confiança, na solicitude, na humanidade do trato dispensado à pessoa em um momento de vulnerabilidade.

O entendimento judicial em comento, contudo, não apenas firmando-se em um único aspecto do juízo deontológico que não se encontra em causa (o do sigilo oponível a terceiros), mas ainda abstraindo-o de todos os desdobramentos da base de confiança em que deve assentar a relação médico-paciente concretamente considerada, pretende ver com ele integralmente resolvido o problema que lhe foi dado a julgar. Abordagem superficial e redutora que resulta na desconsideração daquilo que a tal aspecto fundamentalmente subjaz: a humanidade no trato dispensado ao paciente.

Abordagem superficial e redutora revelada, ainda, pela contradição em que incorre o juízo de 1º grau quando, logo após pontuar ser

 

imprescindível para o deslinde da presente demanda a diferenciação entre o constrangimento e a quebra da intimidade, porquanto o primeiro é sentimento de ordem subjetiva, o qual nem sempre é decorrência da objetiva violação à vida privada, caracterizadora do segundo item,

 

transcreve, entre os dispositivos regulamentares atinentes ao sigilo médico, o artigo 63 do Código de Ética Médica, aprovado pela Resolução CFM n. 1.246, de 8 de janeiro de 1988, que veda expressamente ao médico "desrespeitar o pudor de qualquer pessoa sob seus cuidados profissionais" [g.n.].

E embora concluindo acertadamente quando afirma que "o estudante universitário, no exercício de atividades acadêmicas de ordem prática, desde já está sujeito às referidas regras éticas, que visam justamente resguardar o direito à intimidade dos pacientes, e fazem parte do ensino das ciências médicas"28, e destacando, logo a seguir, o item 2 da Resolução CFM n. 663/1975, que, tratando da supervisão dos procedimentos realizados por estudantes de Medicina no trato com os doentes, determina "aos médicos que, nessa supervisão, procurem sempre fazer conhecidas dos estudantes de Medicina todas as implicações éticas dos diferentes procedimentos e das diferentes situações encontradas no trato dos doentes", não logrou compreender em todo o seu alcance exatamente aquelas "regras éticas" que, como visto, efetivamente não se encontram incorporadas ao processo de ensino-aprendizagem oferecido pela Ifes em apreço29.

Incompreensão à qual não socorre – pelo contrário, reforça – o argumento, acrescido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, de que, "na colisão entre direitos fundamentais, é necessário que se busque sempre o bem maior, o interesse maior a ser protegido, que no presente caso, é o da manutenção da excelência do ensino médico, com o que se está a privilegiar o interesse público de todos os cidadãos que em determinado momento da vida necessitam de cuidados hospitalares. Assim, o cidadão que pretender ser atendido apenas por médico formado sem a presença de estudantes, não deve buscar atendimento em hospitais-escola, uma vez que estes são o corolário de uma formação médica integral que reverterá para a melhoria da saúde pública"30.

Se uma tal conclusão ignora, desde logo, todas aquelas situações em que não haja opção disponível para o paciente em apreço, seja pela ausência, na localidade, de outro serviço médico vinculado ao SUS, seja quando o serviço médico prestado no hospital-escola é de referência para sua enfermidade, ignora, sobretudo, o fato de que, ainda que se dirigindo a um hospital-escola, não perde o paciente o seu caráter de paciente e, como tal, de ser humano necessitado de tratamento, de atendimento médico. A transposição das portas de um hospital-escola não tem o condão de convertê-lo em objeto oferecido à manipulação didática, como se tal conversão fosse o "preço" a pagar pelo atendimento que nele receba gratuitamente por meio SUS.

Não é outro o sentido do disposto no artigo 110 do Código de Ética Médica atualmente em vigor (Resolução CFM n. 1.931/2009), que veda expressamente ao médico "praticar a Medicina, no exercício da docência, sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, sem zelar por sua dignidade e privacidade ou discriminando aqueles que negarem o consentimento solicitado" [g.n.]

Isso porque, se por hospital de ensino entende-se aquele que, além de prestar assistência à saúde da população, desenvolve atividade de formação profissional, a "indissociabilidade entre o ensino e a assistência" nele praticada (a "excelência do ensino médico" defendida no acórdão em comento) não se restringe ao aprendizado técnico do ato médico, mas apenas se materializa na assunção prática dos preceitos éticos que devem nortear o desempenho da profissão, no trato com o paciente, no cuidado, no respeito que a ele deve ser dispensado.

 

4 O equilíbrio requerido

 

A necessidade de um equilíbrio entre os três vetores em causa (ensino, saúde e dignidade humana) faz com que a grande questão que afinal se põe, em casos tais como aquele em comento, é o tipo de médico, de enfermeiro, de profissional da saúde em geral, que vem a ser formado em semelhantes circunstâncias.

Note-se que as Resoluções CNE/CES n. 03/2001 e n. 04/2001 são claras em estabelecer – como, de resto, seria delas em sã consciência esperável – que a formação profissional dos estudantes de Enfermagem e Medicina deverá habilitá-los ao desempenho de suas funções em conformidade com os preceitos éticos. A humanização do atendimento, por médicos e enfermeiros, é indissociável de tal formação e, como não poderia deixar de ser, aparece repetidas vezes em cada qual, lado a lado com o desenvolvimento de suas outras competências e habilidades específicas.

Decorre daí que o ensino de tais ofícios, considerado em sua dimensão prática, longe de ser incompatível com o respeito à dignidade da pessoa do paciente, como faz crer o TRF da 4ª Região ao falar em "colisão de direitos fundamentais", tem-no como seu pressuposto. Essa compatibilidade, contudo, resulta gravemente violada quando o ser humano, ao buscar a prestação de assistência médica no hospital de ensino, venha reduzido à condição de corpo-objeto exposto à manipulação didática e, assim, desconsiderado em sua humanidade.

Caso em que se coloca a pergunta: será este o ensino médico humanamente desejável? Serão humanamente desejáveis médicos e enfermeiros indiferentes ao que faz do ser humano humano e, assim, voltados, única e redutoramente, a um corpo-objeto dissociado do "eu" que encarna?

Será esta uma opção humana e juridicamente indiferente, ou mesmo uma prática médica adequada, afinal, ao restabelecimento da saúde integral do paciente?

Impõe-se, por conseguinte, a harmonização dos três vetores em causa: ensino, saúde e dignidade humana. E, isso, precisamente porque a correta operação das normas que tutelam cada qual exige postura hermenêutica adequada à unidade que caracteriza o sistema jurídico. A solução para cada controvérsia não pode ser encontrada levando em conta simplesmente o artigo de lei que parece contê-la e resolvê-la31, como é o caso do invocado (pela Ifes ré) inciso V do artigo 12 da Resolução CNE/CES n. 04/2001, que prevê a inserção precoce do aluno de Medicina em "atividades práticas relevantes para a sua futura vida profissional", pois o inciso III do mesmo dispositivo regulamentar inclui expressamente, na estrutura do Curso de Graduação em Medicina, "dimensões éticas e humanísticas". E as inclui exatamente porque não é humanamente concebível uma vida profissional médica dissociada de tais dimensões.

Solução que, por isso, há de ser encontrada à luz do inteiro ordenamento jurídico e, especialmente, de seus princípios fundamentais, considerados como opções de base que o caracterizam32, os quais vêm em regra consignados no texto constitucional33.

O fato de a Constituição ser um sistema aberto de princípios insinua que podem existir fenômenos de tensão entre os vários princípios estruturantes ou entre os restantes princípios constitucionais gerais e especiais, cujo reconhecimento traz a necessidade de aceitar que os princípios não obedecem, em caso de conflito, a uma "lógica do tudo ou nada", mas podem ser objeto de ponderação e concordância prática, consoante o seu "peso" e as circunstâncias do caso34. E essa ponderação deve manter-se atenta aos princípios interpretativos da unidade da constituição e da máxima efetividade, princípio este invocado, sobretudo, no campo dos direitos fundamentais35.

Possuindo o direito uma essencial dimensão concreta, tal ponderação deve ter como ponto de partida exatamente o caso jurídico: o problema que ele suscita e que requer a solução. Caso jurídico que vem, assim, tomado não apenas como o objeto da decisão judicial, mas, nas palavras de Castanheira Neves, "verdadeiramente como a perspectiva problemático-intencional que tudo condiciona e em função da qual tudo deverá ser interrogado e resolvido"36.

Consoante bem observa Gustavo Zagrebelsky, o caso, para o juiz, é essencialmente um acontecimento problemático que coloca a questão de como resolvê-lo, de como resolvê-lo em termos jurídicos. E, como sucede com todos os problemas, também os problemas jurídicos devem ser “compreendidos”. Compreensão jurídica esta que, encerrando um específico problema de “dever ser”, pressupõe, para a própria individualização da norma jurídica em abstrato a ser concretizada na prática, que se entenda o seu “sentido” e que se lhe atribua um “valor”37.

E esclarece: a compreensão de sentido dirige e condiciona a compreensão de valor. Embora consistam em dois momentos logicamente distintos, condicionam-se reciprocamente, sendo evidente que uma determinada compreensão de sentido pode favorecer, melhor do que outras compreensões, certos valores, e que a assunção de determinados valores, melhor do que outros, pode fazer ver nos casos significados tais, que não outros. A compreensão do caso consiste, de toda forma, nessa categorização de sentido e de valor e é isso o que permite entender por que se pode falar em solução adequada ao caso38.

 

5 Conclusão

 

No caso em comento, o que se verifica é que, longe de serem excludentes, os três vetores em causa (ensino, saúde e dignidade humana) devem em verdade se articular em torno do último, a fim de que assim – e somente assim – venham os primeiros a humanamente se concretizar.

Não há ensino de verdadeira Medicina ou Enfermagem que se possa dissociar de um ethos humanitário, assim como não há promoção de saúde integral na consideração, tão só, do corpo biológico, como tal destacado do "eu" que nele encarna.

Sendo, ademais, a dignidade humana o fundamento último do próprio direito, não há como se admitir como juridicamente aceitável, seja um processo de ensino-aprendizagem, seja um serviço de saúde, seja a conjugação de ambos que, perante a tensão que permeia a fronteira entre a prática médica orientada para a clínica e aquela orientada para o ensino-aprendizagem, priorizem a segunda em detrimento do reconhecimento da dignidade ética da pessoa, negando-lhe, com isso, a garantia que lhe vem constitucionalmente assegurada.

Isso posto, cabe ao hospital-escola, já no interesse do próprio processo de ensino-aprendizagem que lhe incumbe ministrar, já no interesse do serviço de saúde (integral) que assumiu prestar, adequar aquele seu processo e o serviço de saúde a ele associado ao respeito à dignidade dos pacientes que fazem uso desse serviço.

Respeito à dignidade humana exigente de que os atendimentos feitos no hospital-escola não firam a intimidade dos pacientes e, com ela, seus sentimentos de pudor e de autoestima, como se de meros corpos-objeto expostos à manipulação didática – e não de seres humanos – se tratassem. O que pressupõe, desde logo, naqueles casos em que o sentimento de pudor aflore com maior intensidade, o estabelecimento de um ambiente reservado e com número reduzido de estudantes, orientados ao reconhecimento da dignidade do ser humano que se dirige ao Hospital Universitário e, pois, a um comportamento solícito, acolhedor e compreensivo da vulnerabilidade que lhe é ínsita. E, quando tal ainda não se revelar capaz de prover as condições necessárias ao resguardo do conforto devido ao paciente, cabe ao Hospital respeitar sua vontade de ser atendido sem a presença de estudantes.

Impõe-se, por conseguinte, nos atos médicos desenvolvidos ao ensejo do processo de ensino-aprendizagem, o respeito à vontade daqueles pacientes (seres humanos) que, em razão do constrangimento que tal lhes representa, recusam-se a ter a intimidade de seu corpo exposta a grupos de estudantes. Processo de ensino-aprendizagem que em muito se qualificará se, afastando-se de um biologismo reducionista, fizer com que os alunos aprendam a desenvolver esse respeito: respeito ao ser humano que encarna o corpo biológico. Processo de ensino-aprendizagem que, devendo conformar-se ao reconhecimento da dignidade humana dos pacientes com os quais se desenvolve, deve fazer da presença do estudante não uma fonte de constrangimento, mas de confiança e de familiaridade. Processo de ensino-aprendizagem que, somente assim, poderá fazer-se portador do ethos humanitário que faz de um médico médico.

 

Referências

 

Brasil. Subseção Judiciária de Rio Grande-RS. Ação Civil Pública n. 2009.71.01.001049-6, 2009.

_____. Tribunal Regional Federal da 4ª Região, Terceira Turma. Agravo de Instrumento n. 2009.04.00.032205-5. DE de 25.2.2010.

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1 Jonas, 1994, p. 117.

2 Ação Civil Pública n. 2009.71.01.001049-6, em trâmite perante a Subseção Judiciária de Rio Grande-RS, cuja petição inicial é de autoria do Procurador da República Michael von Muhlen de Barros Gonçalves.

3 Razões elaboradas pela autora, cujas presentes considerações, na forma de comentário a caso jurídico concreto, são feitas com vistas exatamente naquele em que hoje vem repensado o próprio sentido da elaboração doutrinalmente dogmática do direito positivo: o de exercício de "uma tarefa pragmática (ou prática)" passível, como tal, de oferecer diretivas ou modelos jurídico-normativos à realização do direito, passível de oferecer, pois, fundamentação para decisões práticas (Neves, 1998a, p. 45, 51 e 116, reportando-se a Wieacker). V. Wieacker (1980, p. 721-722), onde refere como missão da dogmática, não a de construir um edifício doutrinal mental e logicamente contingente de contextos de dedução, mas sim a de oferecer meios de resolução correta de problemas.

4 Tribunal Regional Federal da 4ª Região, Terceira Turma, Agravo de Instrumento n. 2009.04.00.032205-5, Relatora Des. Federal Maria Lúcia Luz Leiria, un., j. em 26.1.2010 e publicado no DE de 25.2.2010.

5 Quando da revisão final do presente artigo, em 12 de abril de 2010, referida Ação Civil Pública encontrava-se conclusa para sentença.

6 V. Neves, 1993, p. 233.

7 Torralba i Roselló, 1998, p. 196.

8 Ibidem, p. 197.

9 V. Ricoeur, A tomada de decisão no ato médico e no ato judiciário. In: Ricoeur, 2008, p. 241-242.

10 V. Torralba i Roselló, 1998, p. 172-173.

11 V. Kant, 2005, p. 67, 68 e 79.

12 Nussbaum, 2007, p. 110 e 142.

13 Torralba i Roselló, 1998, p. 99 a 101.

14 Torralba i Roselló, 1998, p. 174 e 186.

15 Ibidem, p. 194.

16 Jaspers. A idéia de médico. In: Jaspers, 1998, p. 7.

17 Ibidem, p. 7-8.

18 Ibidem, p. 20.

19 Ibidem, p. 45.

20 Jonas, 1994, p. 152.

21 Sobre o tema, v. Neves, 1998b, p. 74, 75 e 85.

22 Ricoeur. Os três níveis do juízo médico. In: Ricoeur, 2008, p. 221 e ss.

23 Ibidem, p. 221.

24 Ibidem, p. 223, 225 e 226, ponderando que a situação de tratamento, especialmente nas condições de hospitalização, pode incentivar a regressão do doente a comportamentos de dependência e, por parte do pessoal que o trata, a comportamentos ofensivos para a dignidade do doente, motivo por que é essencialmente o sentimento de estima pessoal que fica ameaçado pela situação de dependência que prevalece no hospital. Para Ricoeur, a única maneira de lutar contra esses comportamentos ofensivos é voltar à exigência básica do pacto de tratamento, a saber, a associação do paciente à condução do seu tratamento.

25 Ibidem, p. 227.

26 Ibidem, p. 228-229.

27 Ibidem, p. 230-231.

28 Grifo no original. No mesmo sentido, o acórdão citado, ao firmar que "o ensino médico somente pode manter um grau de excelência aliando-se a teoria à prática da medicina. Dessa forma, os estudantes, doutorandos têm os mesmos deveres dos médicos no que diz respeito à ética e ao compromisso com o sigilo dos pacientes que examinam".

29 Idêntica a deficiência observável no acórdão citado.

30 Agravo de Instrumento n. 2009.04.00.032205-5, cit.

31 Segundo Eros Roberto Grau (1991, p. 182), uma norma jurídica isolada, destacada, desprendida do sistema jurídico, não expressa significado normativo algum.

32 Perlingieri, 1997, p. 5.

33 Em que pese a referência feita, às normas constitucionais, como critérios de decisão, não se pretende com ela a identificação, em último termo, da juridicidade com a constitucionalidade, numa funcionalização do direito ao político mediante a suposição de um caráter politicamente instrumental do direito que, assim, seria a expressão regulativa e decisória de um programado projeto político. Isso porque sempre a Constituição terá uma dimensão de juridicidade, a qual não se poderá reduzir ou compreender tão só politicamente, tanto pela própria índole da juridicidade como pela exigência de um fundamento de validade normativa, que não apenas de legitimação política – e sobretudo quanto aos valores, direitos e princípios especificamente jurídicos, aqueles que se oferecem, independentemente da Constituição, na "consciência jurídica" da nossa época e relativamente aos quais a Constituição não terá, por isso mesmo, valor constitutivo, mas apenas declarativo e de institucional garantia. Caso, por excelência, da "dignidade humana" (Neves, 1998a, p. 218 a 223) que, como "resultado das necessidades éticas essenciais" (cujo afastamento é vedado a qualquer sistema que se pretenda jurídico), independe de positivação para sua vigência, motivo por que o recurso à sua consagração constitucional traduz-se na invocação de normas positivas de referência em que possam os postulantes fundar suas pretensões e, os juízes, suas decisões (v., a propósito, reportando-se ao princípio da boa fé objetiva, Silva, 1980, p. 61-62).

34 Sobre a dimensão de peso ou importância, que caracteriza os princípios e falta às regras, v. Dworkin, 1989.

35 Tudo conforme Canotilho, 1995, p. 190, 227 e 228.

36 Neves, 1993, p. 129 e 142.

37 Zagrebelsky, 2003, p. 136.

38 Ibidem, p. 137.

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